Fernando Thadeu
Fecho os olhos e adormeço. Em meio ao alvoroço, a correria, e a balburdia reinante no aeroporto. Ouço palavras sem sentido, finais de frases desconexas, dita por passageiros que cruzam por mim, num incansável vai e vem.
E as palavras vão se misturando na minha cabeça: ”viu só, os sinais estavam apagados”, “instalaram mais uma lombada eletrônica atrás de uma árvore”, ”a cidade está completamente abandonada, suja e mal cuidada”, ”o aterro do Flamengo está um lixo”, “teve mais um tiroteio na cidade” “sinto um envolvente barulho do vento”, “fecharam o túnel de novo?”, “será que nem Deus dá jeito mais nessa cidade?” “cara", muito pó ontem numa festa em Ipanema, precisava ver”, “vejo algo que se assemelha a um tempo perdido e irrecuperável, ouço vozes que vem de algum lugar”, “será que todos os sentimentos estão adormecidos?” “teve de tudo cara, por causa da mancha de batom na minha camisa: palavrão, tapa, empurrão, eu quase meti a porrada nela, mas depois fizemos as pazes, e de noite, fizemos loucuras no chão da sala, transamos como nunca”, “ouço um tilintar de garrafas, preciso beber”, “nos gabinetes fechados, estão os nossos donos”, “esquece o que passou cara, esquece essa mulher”, “quebra, quebra”, “deixa tocar a canção, eu me lembro dela nessas horas”, “joga tudo para o alto porra, cospe o que não presta, beija a mulher amada, mas não perde a razão”, “essa licitação vai ser uma mamata, cara, eu tô nessa”.
“Onde está o presidente dessa porcaria de companhia?”, “quero e vou embarcar de qualquer maneira, a minha lua de mel porra, a minha lua de mel”, “isso aqui é um circo, um grande circo, não somos palhaços, somos cidadãos”, “vocês são um bando de burocratas de merda”, “olha a gravata daquele senhor”, “porra, já estou aqui há seis horas”, “cara, olha aquela loura encostada no balcão falando no celular, essa mulher na cama deve ser uma loucura” “qual?”, “aquela que está passando batom, de vestido azul, porra, é muito boa, gostosa pra cacete”, “já pensou se eu conseguisse transar com ela dentro do avião?”, “não somos palhaços, somos cidadãos”, “calma, meu senhor, estamos tentando resolver”, “olha quantas pessoas estão dormindo no chão, quem vocês pensam que são?”, “São uns filhos da puta”, “não fale nada, cala a boca cara, não vai arrumar mais confusão”, “eu vou quebrar essa merda desse balcão”, “alô, meu amor, estou preso nessa porcaria desse aeroporto, aqui no Rio, mas morrendo de tesão, me espere com aquela camisola preta transparente, coloque aquele perfume que eu gosto, se esses merdas deixarem estarei em Floripa ainda hoje”, “prisão, para esses caras”, “por acaso, somos bonecos amestrados sem brios?”, “que merda de país é esse?", “Sou vou sair daqui, quando conseguir embarcar”, “Não somos um monte de babacas”, “em qualquer outro país, isso aqui já teria explodido”.
Acordo com um beijo. Oh! meu amor, está me esperando há muito tempo? Não, não era a voz de nenhum passageiro falando. Era ela: Beatriz. Beatriz Nogueira. A arquiteta de 32 anos, recém separada, sem filhos, de corpo escultural, uma mulher que eu havia conhecido há tempos atrás em Curitiba, durante uma viagem de negócios. Estávamos namorando há um ano.
Tinha a chave do meu apartamento, não era a primeira vez que ela vinha ao Rio para passar um final de semana comigo.
Entrou, e ao me ver dormindo, no sofá da sala, não quis me acordar. Desfez as malas. Tomou um banho, se perfumou, deu um jeito na casa, colocou uma camisola branca transparente e me acordou com um beijo na boca. Atônito e ainda meio adormecido, perguntei a ela como estava o caos no aeroporto: pelas pessoas xingando, pela lua de mel em Floripa, pelo pó da festa de Ipanema, pela camisola preta transparente, pela mulher que havia levado porrada e transado no chão da sala pouco tempo depois, pela loura gostosa que passava batom, pela transa no avião.
Ela ficou olhando para mim sem entender nada, assustada e perplexa. Caos no aeroporto, loura gostosa, transa no avião, lua de mel em Floripa, festa regada a pó em Ipanema, camisola preta transparente? disse, olhando para a sua camisola branca. Do que você está falando? Que loura gostosa é essa? Aeroporto? Meu amor, você acha que com essa crise toda eu viria de avião para o Rio? Vim de ônibus. Na rodoviária, peguei um táxi para cá.
Finalmente percebi que havia dormido com a TV ligada, assistindo o noticiário, que falava o tempo todo da crise área e do caos reinante nos aeroportos do Brasil. Percebi, então, que tudo não passara de um sonho, que nunca havia estado em aeroporto nenhum.
Senti um grande alívio. O que eu estaria fazendo num aeroporto? Além do mais, estava diante da mulher mais linda do mundo, que com um sorriso meigo e cativante, olhava para mim, com um olhar cheio de desejo e de saudade. Estava com os cabelos molhados que caíam sobre os seus ombros. A pele fresca e cheirosa. Sem dúvida, Beatriz era muita mais bonita e gostosa do que a loura do aeroporto.
Que crise, aérea, que nada. Que se dane o caos, a desordem, os atrasos nos vôos, a falta de equipamentos etc. Enfim, que se dane o mundo lá fora.
Estiquei a mão, olhei o relógio, eram duas da manhã. Apaguei o abajur que estava acesso e desliguei a TV que dormira ligada. Puxei-a para o sofá. Abracei-a. Ela estava totalmente envolvida nos meus braços.
Vi através da camisola branca e transparente os seus seios pequenos e bem feitos. Alisei os seus ombros, beijei o seu rosto, os seus olhos, beijei a sua boca. Sussurrei palavras sensuais, quase imperceptíveis ao seu ouvido. Ela fez que sim com a cabeça e sorriu. Beijei com mais intensidade ainda a sua boca enquanto lenta e vagarosamente tirava a sua camisola.