domingo, 23 de dezembro de 2007

Um canto de liberdade

Nasci com o maravilhoso dom de voar!

Ainda me lembro de meus primeiros vôos em companhia de meus pais, quando, procurando imitá-los, sacudia freneticamente minhas frágeis asas, deliciando-me com a sensação do vento passando pelo meu corpo! O mundo visto de cima é ainda mais belo!

Ainda pequeno, comecei a alçar vôos cada vez mais altos e distantes de meus pais, e num triste dia, na minha curiosidade de jovem e na ilusão de alimento fácil, acabei ficando preso em uma armadilha que o homem chama de alçapão.

Agora vivo preso em um cubículo que o homem chama de gaiola, onde não me sobra espaço para voar, e tenho que me contentar em ficar pulando de um pedaço de pau para outro. Meu alimento é sempre a mesma coisa, alpiste e água. Não posso escolher uma fruta madura ou uma minhoca.

Mais cruel ainda, o homem me coloca na varanda de sua casa, onde fico olhando outros pássaros, soltos, voando livres e cantando felizes.

Eu também canto, mesmo preso na gaiola. Não devia cantar, mas canto para mostrar ao homem que esse dom ele não pode me tirar. É um canto de revolta!

Se um dia o homem que me prendeu fosse colocado em um pequeno quarto, onde só houvesse uma mesa e uma cadeira, espaço suficiente para dar um ou dois passos e lhe dessem todos os dias um prato de comida igual e um pouco de água, onde só tivesse uma pequena janela com grades que lhe permitisse ver as outras pessoas andando livres e soltas, talvez ele pensasse em me libertar.

Pode ser que na minha inexperiência eu não conseguisse sobreviver por muito tempo, mas tenho certeza que mesmo neste tempo curto eu seria muito mais feliz, nos meus vôos livres.

Prometo que viria todos os dias cantar na varanda dele, um canto alegre.

Um canto de liberdade!

Paulo Borchert

O bom ladão

Paulo Borchert

Vinte e um de julho de 1958. Lembro-me bem da data porque era o aniversário de meu irmão, e estávamos em plena Copa do Mundo de futebol. Tínhamos acabado de mudar para um apartamento no terceiro andar na Rua Alberto de Campos em Ipanema, num prédio antigo sem garagem, que era rara na época, pois havia poucos carros em circulação. Meu pai tinha um Hudson Hornet cor de cobre, um daqueles carrões americanos enormes que ficava estacionado em frente ao prédio. Tínhamos combinado na véspera de irmos ao Cristo Redentor e à noite teria um bolo em casa para a família e alguns amigos.
Meu pai ao acordar se surpreendeu com a ausência do carro na rua e saiu gritando pela casa:
-- Roubaram meu carro! Roubaram meu Hudson!
Roubo de carro era raro naquela época, e ele após dar queixa na polícia, pegou o carro do meu tio emprestado e fomos ao Cristo conforme combinado. Ainda me lembro da imagem de meu pai debruçado na mureta do Corcovado olhando para a cidade lá embaixo, como se procurasse seu carro.
À noite estávamos em casa na festinha de aniversário de meu irmão, quando tocou o telefone. Meu pai ao atender começou a xingar algum provável amigo que lhe passava um trote, dizendo ser o ladrão do seu carro, e bateu com o telefone, praguejando e justificando sua irritação. Logo em seguida o telefone tocou outra vez e meu pai pediu ao meu tio para atender. Meu tio Nelson dialogou por alguns instantes e contou o que ouvira:
-- Era o ladrão de novo. Ele disse que não é ladrão, e só pegou o carro pra sair com uma moça, e que o deixou na Rua Prado Junior em Copacabana, em frente à agência Pavão. Ele se desculpou pelo transtorno, dizendo que pretendia deixar mais perto daqui, mas acabou a gasolina.
Meu pai resmungou dizendo que era trote, pois tinha comentado sobre o roubo com vários amigos, e que meu tio era bobo de ter dado trela.
Meu tio disse que o ladrão falou de uma gravata verde que estava no porta-luvas, e alguns vidros de remédios em uma caixa na mala do carro.
Foi aí que meu pai se tocou que podia ser verdade apesar do inusitado da história, e após insistência do meu tio resolveram ir até o local indicado, ainda com a suspeita que só iriam encontrar com algum amigo palhaço.
Chegando ao local lá estava o Hudson estacionado, intacto.
Foram até um posto, compraram um galão de gasolina, e meu tio que era dono de uma oficina mecânica fez o carro pegar, após tirar o ar do carburador. Voltaram para casa a tempo de comerem o bolo e festejarem duplamente
Parece piada ou invenção de cronista, mas é a pura verdade.
Já não se fazem mais ladrões como antigamente!

É fim de ano

Fabio Bastos

Varandas enfeitadas e iluminadas anunciam a chegada do natal. Shoppings lotados de gente feliz carregando sacolas de compras. Papais Noel de aluguel atraem fregueses nas portas das lojas. Crianças escolhem nas vitrines os presentes mais caros para desespero dos pais. Listas do carteiro, lixeiro, porteiro, jornaleiro e até do entregador de pizza. Em boa hora chega o décimo terceiro e ajuda a bancar a festa.
Bares e restaurantes repletos de pessoas confraternizando. Amigo oculto e troca de CDs pirata, agendas, águas de colônia de farmácia e inutilidades para o lar. Hora de abrir presentes e corações para reatar velhas amizades, de renovar planos para o ano que vai iniciar, mesmo sabendo que dificilmente irão se realizar. Planos de voltar a estudar, pagar as dívidas, poupar dinheiro, viajar, trocar de carro e fazer aquela plástica a muito sonhada.
Noite Feliz. Casa cheia de gente com roupa nova. Árvore de natal piscando e crianças correndo em volta ansiosas para abrir os presentes. Parentes distantes trocam informações sobre quem nasceu e quem morreu; quem casou e quem se separou. Mesa farta com fila para se servir de peru, pernil, presunto, bacalhau e farofa. Faz calor no natal tropical, uma cervejinha gelada cai melhor do que um tinto encorpado. A tia velha e gorda se empapuça de pernil, rabanadas, nozes e castanhas. Que se dane a dieta, pode ser seu último natal. Algazarra na distribuição de presentes. Fim de festa com papel de presente espalhado pelo chão e crianças dormindo nos colos dos pais.
Uma semana de trégua e a festa recomeça. Especial do Roberto Carlos, reveillon do Faustão e flores para Iemanjá. Queima de fogos em Copacabana e árvore flutuante na Lagoa. Meia noite. Espocam champanhes e planos para o ano novo. Bebedeira geral. Gente de branco pelas ruas se abraçando e saudando o ano que acabou de começar.
Ressaca logo no primeiro dia. Aos poucos o sonho se desfaz e a vida volta ao normal. IPTU, IPVA, cartão de crédito para pagar sem o décimo terceiro para ajudar. No ano que vem tudo vai mudar.