Por Ana Lúcia Prôa
Ela se sentou diante da penteadeira e ficou admirando-se ao espelho por alguns instantes. Era linda! Pele alvíssima, cabelos longos de um preto jamais visto por aquelas terras. Passou a escova de pêlos por entre os fios mansamente. No rosto, aplicou um pó que deixou a face ainda mais branca. Tingiu a boca de carmim e desenhou o canto dos olhos com tinta preta, salientando seu formato oriental.
Eu olhava tudo com veneração. Pousado sobre a penteadeira. Aquele era um ritual que ela seguia todas as manhãs. Mas, não sei bem explicar o porquê, hoje sua aura, seu olhar, seus gestos estavam diferentes, indicando que algo novo estava para acontecer. Com suas mãos finas e delicadas, ela uniu e torceu seus espessos e lisos cabelos com habilidade, resumindo-os a um grande coque no alto da cabeça. Foi então que entrei em cena: comprido, liso, pontiagudo, adornado por desenhos de extrema delicadeza. E ela me transpassou pelo volumoso coque. Com maestria, eu prendi aqueles cabelos que tanto admirava. Podia sentir seu volume, peso, perfume.
Ela deixou seus aposentos com passos rápidos, mas leves, para não ser percebida. Entrou na carruagem e partiu pelas ruas ainda toscas de uma Paris que não existe mais. Para onde estaria indo? Eu não me agüentava de curiosidade, embora pouco pudesse observar da posição em que me encontrava.
Ela desceu da carruagem. Deslizou para dentro de uma casa bonita, mas sem o luxo de onde morava já há alguns anos com seu pai, nobre oriental a serviço em terras européias. Lá dentro, vi que um homem a esperava. Cabelos tão louros, quase brancos, que destoavam dos fios negros que eu sustentava. Num abraço, aqueles fios desbotados encostaram-se em mim e pude sentir como eram diferentes. Masculinos, brutos, sem perfume.
Percebia que os dois não se desgrudavam. Até quando duraria aquele abraço? A cabeça dela pendia de um lado para o outro, ao sabor de um beijo demorado. Sem pressa, ele a guiou pelas escadas. Abriu uma porta, onde havia uma grande cama emoldurada por filós. Gentilmente, conduziu-a para dentro dos filós e, sentados, pude novamente sentir aquele balanço gostoso: pra lá, pra cá, pra lá, pra cá... Eu dançava preso aos fios negros mais cheirosos que já pude sentir.
De repente, uma mão grossa, com dedos largos, puxou-me asperamente de dentro do coque. Assim como a força do vento empurra as folhas árvore abaixo, os longos fios negros penderam por sobre sua pele de mulher, agora nua. E eu caí por sobre lençóis macios. Mas não tão macios quanto aqueles cabelos.
Permaneci ali, inerte, observando a mistura do negro e do louro, da pele alvíssima com a tez morena de sol.
Horas mais tarde, tornei a prender o coque que tanto amava. Voltamos para casa. E, ao cair da noite, retomei meu posto na penteadeira. Sedento para que o dia seguinte logo chegasse e eu pudesse retornar para o perfume daqueles fios negros e espessos. Antes intocados. Agora descobertos. Mas ainda tão dependentes de mim.
Eu olhava tudo com veneração. Pousado sobre a penteadeira. Aquele era um ritual que ela seguia todas as manhãs. Mas, não sei bem explicar o porquê, hoje sua aura, seu olhar, seus gestos estavam diferentes, indicando que algo novo estava para acontecer. Com suas mãos finas e delicadas, ela uniu e torceu seus espessos e lisos cabelos com habilidade, resumindo-os a um grande coque no alto da cabeça. Foi então que entrei em cena: comprido, liso, pontiagudo, adornado por desenhos de extrema delicadeza. E ela me transpassou pelo volumoso coque. Com maestria, eu prendi aqueles cabelos que tanto admirava. Podia sentir seu volume, peso, perfume.
Ela deixou seus aposentos com passos rápidos, mas leves, para não ser percebida. Entrou na carruagem e partiu pelas ruas ainda toscas de uma Paris que não existe mais. Para onde estaria indo? Eu não me agüentava de curiosidade, embora pouco pudesse observar da posição em que me encontrava.
Ela desceu da carruagem. Deslizou para dentro de uma casa bonita, mas sem o luxo de onde morava já há alguns anos com seu pai, nobre oriental a serviço em terras européias. Lá dentro, vi que um homem a esperava. Cabelos tão louros, quase brancos, que destoavam dos fios negros que eu sustentava. Num abraço, aqueles fios desbotados encostaram-se em mim e pude sentir como eram diferentes. Masculinos, brutos, sem perfume.
Percebia que os dois não se desgrudavam. Até quando duraria aquele abraço? A cabeça dela pendia de um lado para o outro, ao sabor de um beijo demorado. Sem pressa, ele a guiou pelas escadas. Abriu uma porta, onde havia uma grande cama emoldurada por filós. Gentilmente, conduziu-a para dentro dos filós e, sentados, pude novamente sentir aquele balanço gostoso: pra lá, pra cá, pra lá, pra cá... Eu dançava preso aos fios negros mais cheirosos que já pude sentir.
De repente, uma mão grossa, com dedos largos, puxou-me asperamente de dentro do coque. Assim como a força do vento empurra as folhas árvore abaixo, os longos fios negros penderam por sobre sua pele de mulher, agora nua. E eu caí por sobre lençóis macios. Mas não tão macios quanto aqueles cabelos.
Permaneci ali, inerte, observando a mistura do negro e do louro, da pele alvíssima com a tez morena de sol.
Horas mais tarde, tornei a prender o coque que tanto amava. Voltamos para casa. E, ao cair da noite, retomei meu posto na penteadeira. Sedento para que o dia seguinte logo chegasse e eu pudesse retornar para o perfume daqueles fios negros e espessos. Antes intocados. Agora descobertos. Mas ainda tão dependentes de mim.
4 comentários:
Ana
Um texto ao seu estilo, bem escrito, descritivo e um tanto poético. Vc consegue transportar o leitor para a cena. Vc só mudou de palito, usou um de cabelo qundo o protagonista devia ser o de dente. Parabéns!
Bjs
Fabio
Ana,
Seu texto é muito delicado e sensual. Concordo com o Fábio: a gente se transporta para os cabelos do seu personagem. Vc tem muito talento. Gosto do seu texto.
Bjs, The
Oi Ana,
Muito legal o seu texto. Criativo e ben escrito. Gostei muito. Parabéns. Valeu !...
Carlos Melo
O melhor do seu texto é nos transportar para os velhos e bons sentimentos: pureza, alegria e romantismo.
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