segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

NATAL

A esperada notícia de todo final de ano está no ar: nas conversas dentro de casa ou no trabalho, nas ruas, na praia, nos bares, nos encontros casuais, não se fala em outra coisa. Chegou o Natal. Respira-se Natal em todos os cantos. O assunto é agradavelmente inevitável. A cidade se ilumina. Não dá para ficar alheio. Na verdade, ninguém deseja ficar alheio. Ainda é novembro, mas já é Natal.

O comércio, a cada ano mais cedo, alardeia a chegada da festa e incentiva o consumismo. Contagia e agita a população. Certamente, o décimo terceiro, todo ou em parte, será destinado aos gastos do evento. Quem tem muito, gasta muito; quem tem pouco, gasta pouco. Impossível é deixar de gastar.

Preparar a árvore, resgatar os enfeites do ano anterior, verificar as velas, arrumar o presépio, aprontar a guirlanda da porta, tudo precisa ser cuidadosamente providenciado e nada pode ser esquecido.

Elaborar a lista de nomes para os presentes é tarefa prioritária. Prioritária e muito fácil. Difícil mesmo é, durante dias, conviver com a estressante indecisão das escolhas e enfrentar o calor e o tumulto das lojas. Difícil mesmo é compatibilizar a lista dos presentes com a grana disponível. Então, pesquisar preços é preciso. Nesse momento, surge um complicador: se a grana está curta, o melhor é cortar nomes ou simplificar a lembrança ? Doce problema. Mas uma coisa é certa: ninguém pode ficar de fora. Logo... Impossível também é abrir mão de usar uma roupa nova para esperar Papai Noel. Nem pensar. Afinal... É Natal.

Quando chega dezembro é declarada aberta a temporada das listas, caixinhas e livros de ouro. São os porteiros do prédio, o entregador de jornais, o carteiro, os frentistas do posto de gasolina e, nada de estranhar se aparecer também a do malabarista do sinal de trânsito e a do vendedor de “biscoitos Globo” da praia. Ah !... Saiba que é pecado mortal esquecer as professoras das crianças e o filhinho da faxineira. E haja grana !!!... Esse ano mesmo, tive até que






contribuir para a caixinha natalina do entregador de pizza. Fazer o quê ? Nada. Afinal... É Natal.

-- Amor, não podemos esquecer de comprar a roupinha e os sapatos do Pedro Henrique, nosso afilhadinho do orfanato. A diretora telefonou ontem nos lembrando que a festa deles vai ser no próximo domingo.

E a ceia ? É preciso providenciar os ingredientes para a ceia. E mais uma vez, nada pode ser esquecido.

“Hummm... Deixa ver... Este ano vão estar conosco umas dez pessoas. Não !!! Tem ainda a Dorinha e o Valter. Eles garantiram que virão. Bem... Bacalhau, farofa, salada de maionese, rabanadas... Acho que vou pedir à Dona Arlete para trazer aquele pavê de nozes. Todo mundo gosta. Faz sempre o maior sucesso. Ah!... Tenho que lembrar ao Beto para encomendar o vinho e comprar os refrigerantes”.

-- Paulinha, não esqueça de comprar o CD do Padre Marcelo.

E chega o grande dia. A grande noite.

A árvore está iluminada e linda. Os pacotes dos presentes coloridos ao pé da árvore dão um toque especial. A mesa está posta. Farta. Perfeita. Irretocável. As bebidas geladas, no ponto.

Meia noite.

Estão todos reunidos, alegres e felizes. O barulho é grande. Todos cantam, todos se cumprimentam na maior algazarra. Dão e recebem presentes. Agradecem e se abraçam ruidosamente. Tudo acontece ao mesmo tempo. Quase um tumulto.

Sentam-se à mesa. É a hora da ceia.

-- Será que há lugar para todos ? Alguém pergunta.





-- Sim, claro que sim.

Todos comem. Todos bebem. Todos falam.

-- Patrícia, pode me passar o prato da farofa, por favor ?

Duas horas da manhã. Agora sobressaem apenas as vozes daqueles que abusaram um pouco do vinho. Todos parecem cansados. A digestão difícil impede que o sono se instale completamente.

A festa acabou. Mas algumas perguntas pairam no ar:
-- alguém lembra o que acabamos de comemorar ?
-- alguém lembrou de cumprimentar o aniversariante ?
-- será que todos sabem quem é o aniversariante ?
-- será que essa é a melhor maneira de comemorar o Natal ?

Natal: tempo de tudo isso, mas, sobretudo e principalmente, tempo de parar e refletir.



Feliz Natal/2008
CARLOS MELO

NATAL

sábado, 22 de novembro de 2008

O Menino e os Anjos

O Menino e os Anjos

- Vovô, meu pai falou que os anjos não existem, é verdade? – perguntou Pedrinho, um menino de nove anos, ao avô e confidente ocasional.
- Ih! Pedrinho, seu pai está enganado, é claro que os anjos existem. São eles que tomam conta das pessoas – respondeu o avô que tinha como passatempo predileto conversar com o netinho.
- Mas vovô, papai falou que esta história de anjo é igual a do Chapeuzinho Vermelho, que é coisa da imaginação – insistiu o menino, ainda um pouco descrente.
- Pois então, Pedrinho, vou te contar uma história que comprova a existência dos anjos. E tem mais, aconteceu comigo e com o seu pai, este mesmo que está dizendo que os anjos não existem.
- Já sei, vovô! Lá vem você de novo contar histórias do tempo em que meu pai era menino – falou o netinho, que, no fundo, adorava ouvi-las.
- Você tem razão, Pedrinho. É mais uma que vou te contar - rendeu-se o avô – Esta aconteceu quando seu pai tinha também nove anos. Certa vez, ele ficou preso num engarrafamento quando voltava da escola de carro com o tio. Tinha chovido muito, e o trânsito estava parado há mais de uma hora. Seu pai me ligou chorando de soluçar. Fiz de tudo para tranqüilizá-lo pelo telefone e não consegui.
- E onde é que você estava, vovô?
- Ah! Pedrinho, olha os anjos começando a dar sinal de vida! Eu estava saindo do trabalho, no mesmo bairro onde estava seu pai.
- Já até sei! Você foi lá com o seu carro e pegou o meu pai – concluiu apressadamente o menino.
- Ô Pedrinho! Como é que eu chegaria lá de carro se o trânsito estava todo parado?!? Cheguei o mais próximo que pude, estacionei o carro, e comecei a caminhar na direção deles.
- Ih! Vovô, deve ter demorado um tempão para encontrar o papai, né?
- É, Pedrinho, acho que andando eu levaria bem uma meia hora para chegar até lá. Mas, com a ajuda de um anjo, acabei chegando bem mais rápido.
- O que o anjo fez? Levou você voando? – perguntou o imaginativo menino.
- Não Pedrinho, senão eu veria o anjo, e eles devem ficar sempre invisíveis. – disse o avô, preocupado em não desiludir o menino - Na verdade, o que eu vi foi uma bicicleta encostada na frente de uma mercearia, bem ao lado de um rapaz que lá trabalhava, e que parecia ser o dono.
- Vovô, não acredito! Você pegou a bicicleta do moço?
- Claro que não, Pedrinho. Imagina se o seu avô ia fazer uma coisa dessas. Primeiro, perguntei ao rapaz se ele era o dono, e, depois, se poderia me alugar a bicicleta. Contei para ele que precisava buscar meu filho pequeno, que não parava de chorar preso em um engarrafamento ali perto.
- E ele alugou, vovô?
- Melhor do que isso, Pedrinho. Falou que me emprestava a bicicleta. Só me pediu que não demorasse, já que estava quase na hora de fechar a loja. E lá fui eu, de terno e sapato, pedalando por entre os carros parados.
- Papai deve ter adorado quando você chegou para salvá-lo, né?
- Acredita Pedrinho, que seu pai não queria vir comigo? É sério! Ele nunca tinha sido levado de bicicleta sentado no quadro, e tinha medo de cair. Mas, quando se deu conta de que era a única forma de voltar para casa…
- Vocês foram direto para casa de bicicleta? – perguntou, assustado, o menino.
- Não, Pedrinho, ainda estávamos muito longe de casa. Nós voltamos foi para a mercearia. Bem que o rapaz ficou aliviado quando viu a bicicleta de volta.
- Por que, vovô, ele pensou que você não ia devolver?
- Pedrinho, ele nunca tinha me visto na vida, era natural que ficasse com medo de ficar sem a bicicleta. Vai ver que um anjo soprou no ouvido dele que eu era uma pessoa de bem, e, por isso, a emprestou – brincou o avô.
- E você deu algum dinheirinho para ele?
- Não, Pedrinho, ele fez questão de não receber nada. Falou para mim que também tinha um filho, e sabia como eu estava me sentindo.
- Poxa, vovô. Estou começando a acreditar que os anjos existem mesmo.
- É claro que existem, Pedrinho, mas têm um problema: eles são muito dorminhocos e só existe uma maneira de mantê-los sempre acordados.
- E qual é, vovô?
- É muito simples, Pedrinho: fazer o bem sem esperar recompensa. Garanto a você que o anjo da guarda do rapaz da bicicleta vivia sempre acordado.
- Eu também não vou deixar o meu anjo dormir, vovô!
- Isto mesmo, Pedrinho. Faz muito bem. Ah! E da próxima vez que seu pai falar que não existem anjos, relembre esta história para ele, tá?

Arthur Narciso – novembro de 2008

domingo, 9 de novembro de 2008

Mãos Dadas

Meu cachorro acredita que minhas mãos são independentes. Talvez por ser minha esquerda que o alisa da minha poltrona de domingo, enquanto leio os diários. Ou quer por minha direita ser mais proeminente na hora de castiga-lo. Com tempo meu ‘pequeno diabólico’, como gosto de chama-lo quando come meus sapatos, aprendeu a diferenciar, e agora evita a ultima por completo.
Dizem por ai que o Candidato do Mundo ganhou esta semana. O Nosso Candidato como estão chamando. Acredito, mas pergunto o que é um homem se não um resumo de todas suas decisões e ações. Algumas publicas, outras nem tanto. Nada se define num momento ou numa palavra, existem sempre dois lados, uma foto vale por mil palavras... e outras frases esvaziadas.
Vemos um ícone surgir das cinzas de um país que a décadas começa ( declarar não, aí seria serio) guerras e manipula acordos econômicos para sua própria vantagem, em detrimento daqueles que diz ajudar. Mas não quero interromper a euforia do mundo. Os analistas dizem que o mundo mudou. A unilateralidade que brotou na década de 90 morreu, e uma nova era esta prestes a nascer. Acreditam também o fim do neoliberalismo. Pelo menos defendem essas idéias em seus editoriais.
Nós como sempre acreditamos e esperamos a mudança anunciada. Celebramos as eleições sem sequer saber as posições dos candidatos. E até quando sabemos, será que sabemos mesmo?
Não duvido em alguns valores de Obama, e se votasse nos EUA teria votado nele. Sei por exemplo que ele será mais pragmático com o mundo do que seu antecessor. Também não sei como poderia ser menos. Especialmente diante das atuais crises. Mas lembro sempre que um Presidente deve ser um servidor ao seu povo. E por mais que se elegeu um homem de Mudança, será que as industrias, que há um século definem a política externa dos EUA, mudarão com ele? Espero que sim, há tempo. Mas a regra do jogo é lucro, e isso ainda não mudou.
As empresas continuarão querendo menos regulamentação e burocracia para poderem competir com as Chinas e Índias do mundo. E nós, cidadãos comuns, não veremos estes incentivos refletirem nos preços. Um Presidente é um produto. Produto dos desejos das empresas, da economia, e dos cidadãos. Lamentavelmente nesta ordem. Será que o Nosso candidato nos olhará com o mesmo carinho que seus compatriotas na próxima reunião financeira? Ou até no dia-a-dia?
Não pretendo ser um cínico. Se bem que sou, confesso. Mas existem horas quando nada é tão claro. As linhas ficam obscuras e o que passa por cinismo pode ser nada mais que bom realismo. Tal é o caso com meu cachorro. Por mais que ele se esconde da mão direita, não enxerga que a esquerda é fruto da mesma raiz. Quais serão as raízes de Nosso candidato? E com que mão será que ele regerá?

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

BEETHOVEN RETORNA

Sergio Medina Quintella

[Estou em meu escritório absorto num trabalho. A campainha toca. Com uma certa má vontade vou atender]
[ Abro a porta. Não acredito!!!.É ele mesmo!!!]
-Bom dia “seu” Beethoven. O senhor outra vez?
-É que no plano espiritual esse negócio de tempo não tem tanto valor quanto aqui.
Minha curiosidade cresceu demais e resolvi aparecer. Esse negócio de “ teclado” e “computador” não me deixaram mais em paz. O senhor me dê licença, tenho muito a conversar. Posso entrar?
[De que jeito, penso eu, não tem outro]
- Por favor, entre, de certa forma estou lhe devendo o prometido, mas antes de mais nada, vou lhe dar uma outra roupa porque com essa aí não dá pr’a ficar;
[Trago uma calça jeens, camisa esporte, tênis e cinto. Beethoven não era alto. Seu tamanho aproximava-se do meu]
O senhor pode trocar de roupa aqui neste banheiro. Eu o espero na sala
[Beethoven aparece com a roupa que recebeu,e que lhe emprestou um ar de camelô da Rua Uruguaiana em dia de sol muito quente , cara amarrada como quem foi trabalhar com diarréia e até aquela hora nada tinha vendido]
- Beethoven, vamos para o meu escritório. Lá está o meu teclado. Vamos começar por ele. É um Yamaha PSR-172, um tipo Standard, mas que oferece recursos que dão para fazer alguma coisa.
Inicialmente, peço paciência, pois vou lhe explicar como funciona. Há um mínimo que preciso lhe informar, já que nem eletricidade o senhor sabe o que é;
Bem..., veja, esse fio a gente liga ali. Aquele objeto chama-se “tomada” . Esse botão aqui no teclado, a gente aperta, e pronto: está ligado !!!!. Tá ouvindo esse zunidozinho?.
Veja agora estes três grupos de chaves: Song, Voice e Style.
A primeira contém melodias tradicionais mostrando-as tocadas pelo teclado. A segunda, composta de um conjunto de cem instrumentos numerados de 1 a 100. A terceira chave, Style, como o próprio nome deixa transparecer, estabelece os diferentes ritmos e altera o timbre;
Desse lado esquerdo você aciona o acompanhamento. Veja esse botão “on-off”. Apertando esse botão, você percebe que o instrumento joga um ritmo na melodia;
E agora o fundamental: Além do ritmo, Beethoven, o teclado entra com o acorde e segue a melodia à medida que você a vai dedilhando neste teclado
- Sergio, estou ficando muito nervoso, parece que caminho para um ataque: Não agüento mais de tanta ansiedade. Quero mexer nesse “troço” agora se não vou explodir !;
-Calma “seu Beethoven”, o teclado não vai fugir daqui não. Ao que tudo indica, com a evolução da produção dos instrumentos, assim como a dos costumes que a sociedade absorveu, o senhor deve estar desatualizado. Caso estranhe algum som ou instrumento, tenha calma, procure conhecer a novidade. Quem sabe não estaria se abrindo uma nova fase nas suas composições?
Alguns instrumentos evoluíram na sua tecnologia, outros foram criados. Não se esqueça que o senhor nasceu em Dezembro de 1770 e mesmo a sua morte, em Março de 1827, já está distante, ou seja, há 181 anos.
-Morte não, eu não morri. Eu só faleci. To “vivinho” aqui, não tô?. E não agüento mais, Se me permite, vou sentar no banquinho e você vai me ajudar agora;
-Pois não Beethoven, diga o que quer;
- Antes demais nada, já que não sou mais surdo, quero tocar a Heróica e deliciar-me com seus acordes. Vou tocá-la como se estivesse em 1795 com 25 anos...; Prepara esse teclado para as chaves de gran-piano, harpsichord e vibrato: vou inovar e ver no que dá;
Aqui pr’a nós Sergio, Haydn e Mozart, meus contemporâneos vão pular nos seus túmulos!!!. Aliás tenho saudades do meu mestre Haydn. Com ele, em Viena, passei uma fase de estudos muito proveitosa;
Bem, continuando, quero que prepare esse teclado para a obra toda, ou seja, me dê uma folha de papel mostrando onde estão os metais, as cordas e a percussão;
-Seu “Beethoven” , vamos devagar com o andor porque o santo é de barro...;
- O que está me dizendo? Santo de barro? Andor, o que é isso? Obra sacra?
- Desculpe-me Beethoven, referi-me a um ditado popular aqui no Brasil,não tem nada a ver com essa questão da 9ª Sinfonia;
Acho que não irá conseguir de imediato tocar essa gigantesca obra logo de saída;
Tenho uma sugestão: Você aos 8 anos tocou um concerto para cravo, e aos 10 já dominava praticamente toda a obra de Bach, aproveitando os instrumentos da Capela do Príncipe de Bonn, onde seu pai era tenor e você foi organista-assistente;
Por que não começa com uma peça para cravo, ou mesmo, órgão?;
- Taí, uma boa idéia. Ajuste o teclado inicialmente para clavi ,vou tocar uma peça ligeira para cravo. Depois, quero que faça um ajuste para arpsichord porque vou ver como fica Bach, o João Sebastião, como vocês devem falar...
-Beethoven, nós o chamamos por Johann Sebastian Bach mesmo, ou simplesmente Bach;
[Peço licença , ligo o teclado e a chave clavi . Espectativa total!!!!]
-Pronto, pode começar, o botão de volume é ali à esquerda;
[Um som de cravo inunda o ambiente. Beethoven se entrega por inteiro, ...mas, por ter sido surdo, botou o volume no máximo. Um minuto depois, vizinhos tocaram a campainha..]
- O que houve Sergio? Aconteceu alguma coisa? Você está bem? disse Zenildo, meu vizinho de porta;
- Desculpe gente, o teclado deu um curto no sistema elétrico e disparou....
-Vamos lá, eu conheço alguma coisa, falou Zenildo;
-Nãããããããooooooooooooo!!, eu também tenho alguma idéia, dá licença que eu vou desligar o teclado;
-Beethoven, Beeeeeeethooooooovennnnnn!!!!, pára, pára,...pááááááraaaaaaaa...;
[ Beethoven estava extasiado. Não tive outro jeito,..puxei o fio da tomada e o teclado parou];
A rua está um reboliço, disse, e você Beethoven não pode ficar aqui nem mais um minuto. Dentro de uns segundinhos a polícia vai chegar porque já foi chamada. Aí não garanto mais nada. A mídia aqui é extremamente sensacionalista e não vai deixar por menos,vai colocar a sua foto na primeira página dos jornais e você nunca mais terá sossego.
-A é?. Já tive muitos problemas na minha vida, já agüentei meu sobrinho Karl que praticamente me matou de desgosto, minha amada Giulietta Guicciardi, com seus 17 anos, não entendeu quando lhe compus a Sonata ao Luar. Agora quero paz.
Vou voltar para o plano espiritual, Sergio. Tentarei encontrar meus contemporâneos Mozart e Haydn e lhes contar as novidades;
Mas, prudentemente, os aconselharei a não ressurgir neste planeta. Aqui está tudo muito doido. Até mais ver...como vocês costumam falar....

BEETHOVEN RESSURGE

Sergio Medina Quintella

[Tocam a campainha lá de casa, e eu abro a porta]
[Penso] “Ué, quem é esse cara com cara de alemão e muito parecido com Beethoven”
-Bom dia, o que deseja ?
- Não se assuste, meu nome é Ludwig Van Beethoven. Acabo de ressurgir neste mundo e ,primeiramente, estou admirado de poder me comunicar no seu idioma, e o senhor é a primeira pessoa com quem estou mantendo contato desde que acabei de sofrer o fenômeno da ressurreição;
[Penso] “ Cara,era só essa que me faltava. Esse negócio de ressurreição e ainda por cima com Beethoven...
-Por favor entre, disse-lhe. Em que posso lhe ser útil, apontando para minha varanda.
- Depois desses séculos todos, minha enorme curiosidade acabou por despertar em mim uma vontade de tal ordem que o fenômeno da ressurreição se fez muito naturalmente,mas eu mesmo estou ainda sob forte impacto;
-Quer um café?, falei, tentando ser gentil, mas por dentro,ainda muito desconfiado com esse negócio de ressurreição...., Beethoven....;
-Olhe, senhor, procure se acalmar, eu não represento nenhum perigo, disse o “Beethoven”;
-Tá bom, senhor, aceite este café. Meu nome é Sergio. Não precisa me chamar de senhor;
- Sergio, sei que os tempos mudaram de uma forma extraordinária. Hoje a tecnologia praticamente domina o homem. No meu tempo não era assim. Por isso estou ávido de informações e de conhecimento do mundo atual. Pode falar normalmente porque com a ressurreição, minha surdez passou;
-Senhor, não sei se seria capaz de colocá-lo a par do mundo atual como talvez merecesse em vista da sua respeitável contribuição para a cultura musical da humanidade,mas também não gostaria de deixá-lo sem nada conhecer e sair daqui de casa praticamente como chegou. Estou à sua disposição;
- Sergio, minha carreira e obra musicais foram feitas em cima do cravo e do piano. Escrevi muitas partituras compondo obras para orquestras completas, de câmera, duetos, quartetos para violino, chello enfim,muita coisa, como talvez você tenha ouvido falar. Como está o ambiente musical atualmente?
- [A essa altura,já me considerava mais íntimo].
- Beethoven, disse-lhe , desde uns tempos para cá, mais ou menos 30 a 40 anos, estamos vivendo a era da música eletrônica;
- Eletrônica? Que negócio é esse ? Que é isso?
-Um tal de Benjamim Franklin descobriu a eletricidade e a partir daí alguns cientistas e pesquisadores começaram a inventar aplicações para ela. A música eletrônica tem os sons dos instrumentos produzidos pela eletricidade. Hoje há um aparelho chamado “teclado” que imita com perfeição praticamente todos os tipos de instrumentos musicais, e ainda por cima dá o acompanhamento e o ritmo que se deseja;
-Fantástico !!, onde posso dar uma olhada nesse tal de teclado?
-Ele pode ser visto e experimentado em qualquer loja de instrumentos musicais.É só entrar e se dirigir ao vendedor, mas eu não aconselho de imediato fazer isso não porque vai dar uma tremenda confusão, ou melhor, convulsão.
-Vamos pensar um pouco mais como fazer isso e por enquanto falarei mais alguma coisa.
-Não se assuste muito com o que vou falar,mas nos tempos em que vivemos, você pode ir tocando no teclado de um computador e ele grava a composição num arquivo e depois você pode imprimir a partitura .Ela já sai impressa direto de um aparelho chamado impressora.
-Esse negócio de computador dói muito? É dor forte? É assim que se compõe?
-Nada disso seu “Beethoven”, computador não quer dizer que a dor é fortíssima e sim que se trata de um equipamento eletro-eletrônico.
-Eletro o que? Quero conhecer esse tal de Benjamim Franklin, o que você diz que inventou a eletricidade.
-Ele já morreu há séculos. O melhor que posso fazer agora é lhe mostrar um computador. Entre aqui no meu escritório. Lá está naquele canto. Junto com ele está aquela janela de vidro que chamamos monitor e aquele outro aparelho meio quadradinho,que chamamos impressora. Com isso, Beethoven, você tem uma orquestra inteira.
-Sergio, posso tentar recompor a 9ª Sinfonia? . Na época em que a compus, já estava totalmente surdo.
-Seu “Beethoven”, o senhor não me leve a mal,mas poderia voltar para onde estava e retornar daqui uns tantos meses?
-Ué, por que?
- Preciso da ajuda de um profissional chamado psicólogo, apoiado por um outro que denominamos psiquiatra. Acho que só eles podem fazer-me entender o que está se passando.
Depois,eu prometo que vou levá-lo para ver um teclado e mais tarde ensiná-lo a mexer nesse computador. Agora, não dá não. Dá licença e passe bem...digo-lhe,abrindo a porta de casa..

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Um por Todos, Todos por Um

Therezinha Mello

A casa de Alberto era uma festa constante. A família, tão grande quanto a quantidade de amigos e agregados, que sempre andava por lá. Ele havia mudado há pouco tempo e a bela residência, com dois pavimentos, comportava o entra e sai constante. Naquela tarde estávamos na piscina, enfrentando o verão do Rio sem preocupação e com muita cerveja.

Salvador, o velho caseiro, ficava por ali limpando o jardim, fazendo pequenos consertos e, como era sua especialidade, contando histórias e nos divertindo com seu jeito simples de falar da vida. Era um sujeito negro, com a voz forte e muito grave. Ria uma gargalhada estrondosa, que costumava assustar crianças desavisadas.

Os quartos situavam-se na parte superior da casa e, num deles em especial, estavam Julinha e a babá Maristela. Era a caçula, com quem Sonia e Alberto já não contavam, e que tinha pouco mais de três meses. Maristela havia chegado na véspera de uma pequena cidade do interior e era visivelmente tímida, tendo cumprimentado a todos rapidamente, sem encarar nenhum de nós.

Convenhamos que, num esplêndido dia de sol como aquele, conversa foi, conversa veio e esquecemos completamente de Maristela, Julinha e do velho Salvador. Preferimos a cerveja, o churrasquinho, as piadas, a política e o que mais pudesse temperar aquelas horas. Íamos já pelas cinco da tarde, quando ouvimos um grito de terror vindo do interior da casa.

Atordoados levantamo-nos, todos, como um exército atendendo a um comando repentino. Ouvíamos uma voz feminina, que gritava e chorava, em desespero. Era Maristela.

“- A menina, D. Sonia! A menina! Roubaram a Julinha! Ai meu Deus!”

Alberto tentava acalmar Sonia:

“- Calma , meu amor, calma! “

E Sonia, já histérica, encaminhava-se para a escada:

“- Vamos subir! Tem ladrão aqui Alberto! Roubaram minha filha!”

Eu e Salvador, não discutimos. Armamo-nos, cada um, com um pedaço de pau e subimos, dispostos a matar se preciso fosse, para salvarmos Julinha e tirarmos Alberto e Sonia daquela dificuldade. Uma súbita coragem tomou conta de nós. Não sei pelo Salvador mas, por mim, posso garantir que as cervejas ajudaram bastante.

Quando chegamos ao quarto de Julinha, demos com Maristela pálida, em estado de choque, apontando para o berço vazio. Sonia desmaiou e Alberto tentava reanimá-la com pequenos tapinhas no rosto. Os filhos, ainda molhados da piscina, ensopavam o chão do quarto e queriam saber o que estava acontecendo.

“-Tragam água para sua mãe. Rápido, rápido!”, gritava Alberto. A nós ele determinava que procurássemos pela casa, que achássemos o ladrão. Ele queria sua filha de volta.

Nesse instante, abriu-se a porta do quarto ao lado e dele saiu D. Rosária, a esposa de Salvador, uma negra gorda e bonachona. Trazia Julinha no colo e, com os olhos arregalados, perguntava que gritaria era aquela. Sonia foi aos poucos recobrando os sentidos e abraçou-se chorando com a filha que arrancou dos braços de D. Rosária.

Salvador perguntou à mulher o que tinha acontecido. Ela explicou que Julinha estava chorando no berço e Maristela dormia a sono solto na pequena bergère do quarto da criança. Cansada da viagem, o sono profundo a impediu de peceber que D. Rosária entrou no quarto e levou Julinha para o cômodo ao lado.

Já refeitos, começamos a descer as escadas, dispostos a retomar nossos lugares na piscina, agora com assunto para o resto do dia. De repente estremecemos, predispostos a novo susto, e voltamos bruscamente nossos olhares para o alto. Era Salvador, às gargalhadas, rindo do feito de D.Rosária e do nosso exagerado sobressalto. A casa tremeu mais uma vez.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

A mulher que não virava a página

Therezinha Mello


Cristina prefere viver assim, considerando o presente uma inutilidade e olhando fixamente o passado, como se ele fosse um casaco de peles na vitrine da Casa Canadá. No discurso, abusa dos Pretéritos, por achá-los portadores dos bons tempos. Perfeito, Mais que Perfeito, ou até Imperfeito, são capazes de trazer de volta, com correção e elegância, o que preserva na memória com o cuidado de um colecionador de cristais. Alimenta a própria vida com o ressoar do que já não é mais, como se dos seus setenta anos, apenas parte deles tivesse de fato valido a pena.

Carioca, mora no bairro do Flamengo, onde nasceu. A juventude passou realizando o sonho de ser aeromoça. Em 1958, quando tinha vinte anos, conheceu Roberto, nas famosas “asas da Panair”. Era o seu primeiro vôo no Constellation e ainda hoje é capaz de reproduzir mentalmente, cada palavra do diálogo que tiveram. Sente prazer em dedicar-se a essa divagação, especialmente quando seus olhos assistem da janela, as decolagens do Aeroporto Santos Dumont. Possivelmente, conferiu à expressão “terra firme” um novo significado, depois que casou com Roberto, dois anos depois de conhecê-lo.

Cristina continuou trabalhando, depois de casada, o que não era comum naqueles anos dourados. Amou Roberto profundamente, e nunca trabalhou tanto como depois de, aos quarenta e cinco anos, ele morrer, de um minuto para o outro, vítima de um ataque cardíaco. Passados os primeiros dias, resolvidas as questões mais práticas, deixou as crianças com sua mãe e só ansiava por voar. Muitas vezes, desejou explodir naquele céu azul e nunca mais pousar. Aliás, ela acha mesmo que nunca mais pousou. Que permaneceu pelos céus buscando Roberto e repetindo, compulsivamente, o diálogo que tinha mudado sua vida.

Mantém o corpo esguio, apesar da ingratidão com que os hormônios costumam tratar as mulheres que desabrocham, eternas, para os quarenta anos. Os cabelos suavemente grisalhos mostram que o tempo recusa-se a devastá-la. Antes sopra-lhe com suavidade seus ecos, como uma brisa de outono, desenhando-lhe mechas elegantes de um branco discreto. Veste-se com beleza e discrição. Se já não pode recorrer aos antigos figurinos que guarda, empilhados, no quarto de quinquilharias, mantém-se fiel a algumas casas mais clássicas. Lojas especializadas, que lhe vendem o que seria a moda atualizada da revista A Cigarra, como um toque nostálgico que a deixa feliz.

E foi assim que Cristina foi surpreendida ao acomodar-se à mesa em um restaurante, no último domingo. O filho a havia chamado para o almoço e ela encontrou-se com ele depois de estacionar o carro. Esse também era um velho hábito. Cristina foi uma das primeiras mulheres cariocas a dirigir um automóvel. Depois de beijar os netos e abraçar o filho que, em tudo, lhe lembrava Roberto, percebeu que na mesa em frente estava Adalgiza Colombo, a miss Distrito Federal de 1958. Linda e delicada sorriu para Cristina ao perceber sua admiração.

Ela olhou em volta e constatou, talvez pela primeira vez na vida, que o tempo tinha passado. Abriu o cardápio e procurou não pensar nisso. Precisava de uma bebida forte. Olhou os netos com carinho e sorriu, enquanto o velho diálogo começou seu desfilar patético mais uma vez, sem que ela pudesse mudar seu curso teimoso e determinado. De novo a antiga página que não conseguia virar, apesar de todas as evidências. Pensou que seria melhor escolher o prato e esquecer a mesa em frente, imaginando que o presente era mesmo uma inutilidade.

domingo, 22 de junho de 2008

Beethoven ressurge

Sergio Medina Quintella

[Tocam a campainha lá de casa, e eu abro a porta]
[Penso] “Ué, quem é esse cara com cara de alemão e muito parecido com Beethoven”
-Bom dia, o que deseja ?
- Não se assuste, meu nome é Ludwig Van Beethoven. Acabo de ressurgir neste mundo e, primeiramente, estou admirado de poder me comunicar no seu idioma, e o senhor é a primeira pessoa com quem estou mantendo contato desde que acabei de sofrer o fenômeno da ressurreição;
[Penso] “ Cara,era só essa que me faltava. Esse negócio de ressurreição e ainda por cima com Beethoven...
-Por favor entre, disse-lhe. Em que posso lhe ser útil, apontando para minha varanda.
- Depois desses séculos todos, minha enorme curiosidade acabou por despertar em mim uma vontade de tal ordem que o fenômeno da ressurreição se fez muito naturalmente,mas eu mesmo estou ainda sob forte impacto;
-Quer um café?, falei, tentando ser gentil, mas por dentro,ainda muito desconfiado com esse negócio de ressurreição...., Beethoven....;
-Olhe, senhor, procure se acalmar, eu não represento nenhum perigo, disse o “Beethoven”;
-Tá bom, senhor, aceite este café. Meu nome é Sergio. Não precisa me chamar de senhor;
- Sergio, sei que os tempos mudaram de uma forma extraordinária. Hoje a tecnologia praticamente domina o homem. No meu tempo não era assim. Por isso estou ávido de informações e de conhecimento do mundo atual. Pode falar normalmente porque com a ressurreição, minha surdez passou;
-Senhor, não sei se seria capaz de colocá-lo a par do mundo atual como talvez merecesse em vista da sua respeitável contribuição para a cultura musical da humanidade,mas também não gostaria de deixá-lo sem nada conhecer e sair daqui de casa praticamente como chegou. Estou à sua disposição;
- Sergio, minha carreira e obra musicais foram feitas em cima do cravo e do piano. Escrevi muitas partituras compondo obras para orquestras completas, de câmera, duetos, quartetos para violino, chello enfim,muita coisa, como talvez você tenha ouvido falar. Como está o ambiente musical atualmente?
- [A essa altura,já me considerava mais íntimo].
- Beethoven, disse-lhe , desde uns tempos para cá, mais ou menos 30 a 40 anos, estamos vivendo a era da música eletrônica;
- Eletrônica? Que negócio é esse ? Que é isso?
-Um tal de Benjamim Franklin descobriu a eletricidade e a partir daí alguns cientistas e pesquisadores começaram a inventar aplicações para ela. A música eletrônica tem os sons dos instrumentos produzidos pela eletricidade. Hoje há um aparelho chamado “teclado” que imita com perfeição praticamente todos os tipos de instrumentos musicais, e ainda por cima dá o acompanhamento e o ritmo que se deseja;
-Fantástico !!, onde posso dar uma olhada nesse tal de teclado?
-Ele pode ser visto e experimentado em qualquer loja de instrumentos musicais.É só entrar e se dirigir ao vendedor, mas eu não aconselho de imediato fazer isso não porque vai dar uma tremenda confusão, ou melhor, convulsão.
-Vamos pensar um pouco mais como fazer isso e por enquanto falarei mais alguma coisa.
-Não se assuste muito com o que vou falar,mas nos tempos em que vivemos, você pode ir tocando no teclado de um computador e ele grava a composição num arquivo e depois você pode imprimir a partitura .Ela já sai impressa direto de um aparelho chamado impressora.
-Esse negócio de computador dói muito? É dor forte? É assim que se compõe?
-Nada disso seu “Beethoven”, computador não quer dizer que a dor é fortíssima e sim que se trata de um equipamento eletro-eletrônico.
-Eletro o que? Quero conhecer esse tal de Benjamim Franklin, o que você diz que inventou a eletricidade.
-Ele já morreu há séculos. O melhor que posso fazer agora é lhe mostrar um computador. Entre aqui no meu escritório. Lá está naquele canto. Junto com ele está aquela janela de vidro que chamamos monitor e aquele outro aparelho meio quadradinho,que chamamos impressora. Com isso, Beethoven, você tem uma orquestra inteira.
-Sergio, posso tentar recompor a 9ª Sinfonia? . Na época em que a compus, já estava totalmente surdo.
-Seu “Beethoven”, o senhor não me leve a mal,mas poderia voltar para onde estava e retornar daqui uns tantos meses?
-Ué, por que?
- Preciso da ajuda de um profissional chamado psicólogo, apoiado por um outro que denominamos psiquiatra. Acho que só eles podem fazer-me entender o que está se passando. Depois,eu prometo que vou levá-lo para ver um teclado e mais tarde ensiná-lo a mexer nesse computador. Agora, não dá não. Dá licença e passe bem...digo-lhe,abrindo a porta de casa..

terça-feira, 17 de junho de 2008

Exagerado

Therezinha Mello

Joaquim era, por natureza, exagerado. Até mesmo nas proporções de sua compleição física, possuindo alta estatura e abdômen avantajado. Perto dele acabávamos às gargalhadas, porque sua alegria precisava de espaço. Abraçava-nos com muita firmeza e sinceridade, dando-nos a impressão de que jamais abraçaria ninguém, se não fosse daquela forma. A voz rouca acompanhava o sorriso quase infantil, de dentes miúdos. Sim, porque o rosto era uma exceção. Joaquim tinha na fisionomia de criança uma expressão gentil e, o olhar, era doce.

Nos bares, em pleno verão, chegava calorento e juntava-se a nós. Chamava de imediato o garçom e pedia logo dois chopes. Alguém dizia: “-Não, pra mim não precisa!”. Ele ria, divertido. Quando o garçom se aproximava com a bebida na bandeja, segurava-lhe o braço com a mão esquerda e, com a direita, entornava o primeiro chope na garganta de uma só vez. Devolvia à bandeja o copo vazio, dizendo ao garçom: “-Obrigado. Pode levar.”. Só então o libertava, soltando-lhe o braço. Depois continuava conversando e, bebendo em ritmo normal, o segundo chope estrategicamente solicitado. Viriam, na seqüência, outros tantos, enquanto houvesse história pra contar, gente pra ouvir e petiscos para acompanhar.

Uma vez o médico recomendou que ele só comesse queijo, se fosse branco. Nenhum outro era permitido. “-Sabe como é, Sr. Joaquim! É mais saudável, o senhor vai ver! Precisamos baixar este colesterol.”. Joaquim deixou o consultório pensativo. Logo ele que fritava pele de galinha pra comer com cerveja! Só de pensar dava água na boca... Mas, ordens são ordens. E, médicas então, nem se fala. Passou pelo supermercado e comprou logo meia dúzia de queijos. “-Estavam fresquinhos!”, contou-nos depois, justificando-se. Chegou em casa, cortou um deles em pedaços miúdos e comeu, todo, com bastante sal e um fiozinho de azeite por cima . Não satisfeito, fez-se acompanhar por uma cerveja bem gelada. Os outros cinco ele acabou com todos durante a semana seguinte. Com a consciência tranqüila fez, do seu jeito, o que o médico havia determinado com cautela e bom senso.

Certa vez foi ao Marrocos com a mulher e alguns amigos. Logo que chegou, percebeu que um marroquino esperto cobrava uma fortuna em dólares para quem quisesse dar uma voltinha de camelo. Ele não quis, dizendo que não era maluco, nem idiota. Deixou o marroquino falando sozinho e continuou o passeio. Sua mulher, ao contrário, encantou-se pela idéia e, quando ele se deu conta, ela já estava lhe acenando do alto do ruminante. Primeiro ele achou um absurdo e ficou irado. Depois, como sempre, inventou uma piada. Chegou ao Brasil contando pra todo mundo que sua mulher, pelo preço que pagou, tinha comprado um camelo no Marrocos e estava até agora esperando a entrega a domicílio. Ela o fuzilava com os olhos e, nós, nos acabávamos de rir.

Minha tarde ontem ficou nublada. Triste mesmo. Fiquei sabendo que o Joaquim morreu, já há alguns anos. Hoje em dia está se tornando comum a gente se perder das pessoas que gosta, tropeçando nos compromissos e envolvendo-se na pressa. De repente, leva um soco na boca do estômago. Por muito tempo, ignorando a sua morte, lembrei dele como se estivesse vivo. E acho, francamente, que tudo pode continuar assim. Joaquim sempre gostou de viajar, de correr mundo. E quem me garante que não é isso mesmo o que ele está fazendo? Correndo mundo? E se eu bem conheço o meu amigo, está feliz. Está muito, muito feliz se querem saber, porque o Joaquim não é de deixar por menos. Sempre foi exagerado. Muito exagerado.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Quem não gosta de festa?

Sergio Medina Quintella

Quem não gosta de festa?
Que eu saiba, muito pouca gente.
Na verdade, a festa começa mesmo na ocasião em que a gente toma conhecimento dela, e aí começa a imaginação a trabalhar.
Lembro–me das muitas festas que fui quando garoto e depois na minha adolescência.
Quando garoto,lá pelos meus 10 ou 12 anos, o negócio era ir às festas de aniversário.
Sempre fui muito arteiro e inventador.
Uma ocasião num aniversário daqueles, cheguei para meu primo, 3 anos mais novo, e falei:
- Vamos lá no banheiro nos fantasiar?
-Vamos, disse-me de imediato.
Entramos e começamos a nos enrolar no papel higiênico. Gastamos o rolo todo,e saímos pela Sala do apartamento pulando e acenando.!
Só que não era carnaval. Era um aniversário feito com todo carinho pela mãe do garoto aniversariante. O resultado já se viu né? Fomos imediatamente para o para o castigo e para nós a festa acabou ali, pois ao que parece, nossas mães não tinham muita intimidade com a anfitriã.
Na adolescência, continuávamos morando em Copacabana e havia uma patota maravilhosa !. Era um grupo de garotos e garotas ali do “ Posto 6 ” que convivia direto. Acho que uns 10 a 12.
Todos os Sábados a festa era na casa de um de outro, e falando sinceramente, lembro-me mais das casas das garotas. As melhores aconteciam quando elas moravam na Av. Atlântica, pois a gente ficava na janela apreciando o mar e o calçadão.
O negócio era gostoso. Tinha mãozinha dada, tinha beijinho, tudo sob a supervisão dos pais das garotas, é claro, que ficavam sentados nas cadeiras em volta da sala. Mas só podia fazer isso se estivesse namorando. Caso contrário, e verdade, nem se pensava,só imaginava...
Mais tarde um pouco, os já rapazes, praticavam muito esporte na praia. Eu por exemplo jogava futebol pelo “La vai Bola” , um time muito conhecido que sentava praça em frente da quadra entre as Ruas Francisco Sá e Souza Lima.
Os jogos começavam às 4 da tarde , terminando lá pelas 6 horas.
Ia-se para casa tomar um banho, descansar um pouco, jantar ( pois naquela época era inadmissível não jantar), e depois voltava-se para o calçadão para passear e fazer um pequeno “footing”. Lá pelas 9:30 hs o pessoal começava a aparecer na casa combinada.
Ah!, quase ia me esquecendo: A dona da casa era quem preparava os doces e salgadinhos juntamente com Coca ,.Pepsi, Guaraná, Grapete, Fanta Uva ou Fanta Laranja.
Tempo bom. Muita saudade mas, ....sem volta.
Finalmente, quando mais adultos, as festas á tinham perdido aquela atmosfera de certo romantismo, fantasia ou coisa parecida.
Muitos de nós já estávamos envolvidos com interesses mais sérios, e aí já rolava namoro sério, bailes de formatura dos cursos Clássico ou Científico.
Alguns mudaram-se de Copacabana, e assim, a época foi passando a adquirir feições diferentes até que a vida impulsionou boa parte daquela patota para outros rumos e paragens.

domingo, 8 de junho de 2008

Importado com o Exportado


Vou avisando logo que após esta crônica posso acabar sendo obrigado a entrar em exílio, assim retardando a publicação da próxima crônica. Pêsames. Sei que para alguns não será um grande incômodo, mas espero, como qualquer escritor, que este grupo não seja muito grande.
Esta semana tem sido repleta de conversas sobre o OMC e a proteção dos alimentos para que o mundo não sofra. Mas no meio de vários discursos eloqüentes, lembrei de uma frase cujo autor me escapa, que sempre surge na minha cabeça cínica quando se trata de economia global: Não existe comunidade global.
Vou explicar para não soar ingênuo. O que a frase questiona é a vontade de governos individuais de fazerem o melhor para o mundo inteiro. Será que governos são movimentados por vontades tão nobres no dia-a-dia das maquinas nacionais?
A verdade é que cada um joga por si mesmo. Esperando agradar os cidadãos de seu pais(alguns mais que outros). E uma reunião para decidir como o mundo vai lidar com a falta de alimentos, nada mais é que uma convenção onde o real interesse trata-se de “Como que eu vou proteger o meu”. Se não fosse, a reunião duraria duas horas onde primeiro se olharia quanto o mundo produz de cada coisa, depois quanto cada um consume. Uma vez feito, começariam as distribuições proporcionais a preços iguais para todos, sem subsídios ou taxas de importação malucas. Mas o que acaba acontecendo é que todos querem lucrar, e os interesses das empresas falam mais alto que as do consumidor. E no final acaba sendo o velho jogo capitalista: Winners and Losers.
Foi então que me surgiu uma pergunta que não consegui responder. Por que, então, precisamos da comunidade Internacional? Calma não estou dizendo que não deveríamos trocar e aceitar mercadorias estrangeiras como o Iphone (estou doido pra comprar). Mas o Brasil como quinto maior pais do mundo tem solo suficiente para produzir tudo que precisaríamos aqui dentro. E por acaso tem também um numero suficiente de desempregados, ou empregados em atividades ilícitas que se aproveitados de forma legal, seriam uma força de trabalho gigantesca. Quem sabe podíamos até montar nossas próprias industrias, incluindo as de telefones celulares brilhantes.
Mas e os salários? Quem vai trabalhar em agronegocio ou em alguma fabrica por um salário mínimo, quando pode ganhar um dinheirão no trafico do Rio? Bom, se o que sobra da arrecadação de impostos fosse usado para incentivar empresas que atuam no solo nacional invés das que funcionam fora do pais, como faz o BNDES que acaba de receber um aumento de 12,5 bilhões de nosso generoso Senado, resolveríamos a questão do salário mínimo em algumas semanas. Claro, não estou sugerindo que nossos impostos sejam usados para motivar a industria nacional e criar empregos. Isto seria um absurdo.(Aviso: Sarcasmo é a forma mais baixa de humor)
Não entendo como um pais como o nosso pode estar olhando pra fora quando o cenário interno esta tão mal. Afinal, quando eu pago impostos quero que estes sejam aplicados na manutenção dos espaços públicos, na proteção dos cidadãos, no prover de água e alimentos, e para financiar as instituições publicas, (Administração, Saúde, Justiça). Fora isto, sou obrigado a declarar que começarei a querer investir meu dinheiro no metro de Caracas (isso mesmo na Venezuela) como faz nosso sagrado BNDES, quando tudo aqui estiver funcionando. Aí, sim, podemos conversar.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Duas Caras

Therezinha Mello

Débora resolveu fazer aquela festinha na última hora. Estava completando quarenta anos e, um mês antes, tinha confessado a uma amiga que andava meio de baixo astral e não queria nem comemorar o aniversário. Nem um chopp. Nada. Mas logo depois tinha conhecido Cláudio e sua vida tinha agora um novo colorido. Cláudio era professor de Física na PUC. Um intelectual charmoso que já ia pelos cinqüenta, cabelos grisalhos e uma inteligência fora do comum.

Ela convidou Cláudio para a reunião, na sua casa, sábado à noite. Deu um jeito na sala com a ajuda de uma amiga, decorou com uns arranjos de flores, providenciou salgadinhos e colocou cervejas na geladeira. Encomendou uma torta de chocolate, porque descobriu que Cláudio era chocólatra, sendo esse um de seus poucos prazeres mundanos. Levava a vida alheio a quase tudo, desvendando fórmulas e descobrindo soluções para as questões acadêmicas que lhe povoavam a mente.

Entregava-se a discussões filosóficas e era constantemente convidado para ministrar palestras até mesmo no exterior. Vivia cercado pelos alunos, que solicitavam explicações e bibliografias. Atendia a todos com paciência, embora com o ar desligado de quem está voltado para questões superiores, acima da compreensão geral.

Se não estivesse contaminada pela violenta paixão, se ainda lhe restasse um mínimo de bom senso, muito provavelmente Débora perceberia o ar estranho daquele intelectual. Mas àquela altura do campeonato, depois de um jantarzinho a dois na sexta-feira, Débora achava que tinha procurado a vida inteira por alguém assim. Tinha mudado radicalmente de interesses, mostrando-se atualizada com os novos lançamentos literários e sugerindo, sob os cenhos franzidos dos amigos, recitais de música erudita na Sala Cecília Meirelles.

Quando Claudio chegou, os olhares curiosos se voltaram para ele. Tentando ser simpático, cumprimentou os amigos de Débora com o ar mais casual que conseguiu demonstrar. Percebeu que Cristiano e Jader estavam em ferrenha discussão sobre o resultado de Vasco e Flamengo que estava terminando no Maracanã. Ficou meio sem jeito porque, de futebol, dizer que não entendia nada era muito. Pediu uma bebida à Débora e foi até a janela.

Isabela, vizinha de Débora, perguntou se ela não podia ligar a TV para verem o último capítulo da novela. Débora, rapidamente, fez um sinal com o indicador direito sobre os lábios, e pediu que a amiga calasse a boca.

“ –Onde é que já se viu? O Cláudio detesta novela! Ele nem podia imaginar quem era o Juvenal Antena. Que papo é esse de Portelinha? Quer acabar comigo?”

Isabela não conversou.
“– Aí pessoal! Quem quer ver o último capítulo da novela lá em casa?”

E a mulherada se atropelou na direção da porta. Elas precisavam saber com quem o Juvenal ia acabar. Em menos de cinco minutos a sala de Débora ficou praticamente vazia.

“– O que aconteceu?”, perguntou ele com ar distraído.

“– Ah, eu também não entendi. Não vejo novela, você sabe, mas parece que tem uma que acaba hoje...”

Ele sorriu com estranho interesse e perguntou:
“ – É “Duas Caras”?

E Débora, assustada:
“- Por que você está perguntando?”

Ele tentou disfarçar:
“- Por nada não. Será que eu posso ir até lá só um pouquinho?

E, roendo a unha do polegar desabafou ansioso:
“-Eu só quero ver se o beijo gay sai ou não sai...”

domingo, 1 de junho de 2008

Um tapa na Cara...de quem?

Esta semana diante de um novo temporal de acusações de corrupção obviamente verídicas, fomos comparados ao Chicago de 1930. Concorde ou não, não deixa de ser uma comparação forte. Para quem não conhece a historia se trata do gangsterismo de Al Capone. Um criminal admirável, para quem admira essas coisas. (no rio, aparentemente, todos)

Capone atuou na época da lei seca em Chicago, produzindo e distribuindo bebidas alcoólicas. A maioria de Chicago tinha uma empatia ao gangster, por discordarem da lei, inclusive os policiais que se beneficiavam do arrego e das bebidas. Até ai da pra ver uma semelhança com nossa cidade maravilhosa. Mas a diferença esta na dinâmica do problema.

Capone não fazia parte do governo. E embora seus subornos a vários membros do estado serem de conhecimento publico, quando finalmente foi pego pelo jovem Elliot Ness, perdeu um apelo nos tribunais e cumpriu 11 anos de prisão. Ou seja, quando a policia pegou, o Judiciário funcionou, e o bandido se danou (vou virar poeta). Mas é assim que funciona quando alguém é preso, cabe ao Judiciário apoiar ou reverter a ordem. Claro isso no primeiro mundo.

Na nossa terra porem, temos um sistema digamos um tanto diferente, mesmo assim igualmente fascinante. Aqui, o Legislativo pode libertar um homem! Isso mesmo, o órgão que faz as leis, também, aparentemente, pode julgar como elas estão sendo aplicadas. Esqueça aquela besteira sobre balanço de poderes.

Para quem chegou até aqui sem saber do que se trata, estou falando da decisão risível da Alerj de libertar Álvaro Lins. Álvaro como todo mundo já sabe, incluindo meu padeiro que é analfabeto e cego, é mais culpado que um padre num convento as três da madrugada. Parece, inclusive, que os únicos que não sabem disto são os 40 deputados que votaram na Alerj a favor da libertação.

Mas onde estão os nossos Heróis? Onde está o nosso Elliot Ness para arrastar o Capone até a prisão? E mais importante, onde está o nosso judiciário para garantir que ele fique lá?
Sem fazer apologia, existia lógica em Capone. Por mais infrator que ele era, por mais danoso à sociedade que ele pudesse ser, ele não era eleito, não se sustentava com finanças publicas ou as explorava. Ele não era um protetor da sociedade, era cidadão. E nisso Lins, consegue ser pior, pois abusou da confiança do cidadão.


Lins tornou ladrão do cofre publico no minuto que aceitou dinheiro meu, seu, nosso (como diz um grande jornalista) e agiu como um corrupto. Por isso ele deveria ser preso, e esquecido numa cela. E os membros da Alerj que agiram com intenções pervertidas igualmente.

Em realidade o caso só fez provar novamente que não existe coerência em nosso sistema. E os eventos desenrolam de uma maneira que nos deixam perplexos. A comparação é forte sim, e Chicago era um cenário cheio de corrupção e violência nos anos 30. Mas foi nesse mesmo cenário que o sistema quebrou o ladrão. Aqui ao invés, parece que o Ladrão infiltrou o sistema. E por isso me pergunto, com quem é a maior sacanagem da comparação: Nós ou Chicago?

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Aprendendo com Sergio Malandro

Fernando Goldman
Muita gente me questiona quanto a minha insistência em discutir o caso Isabella. A maioria acha muito estranho eu não ter a mais absoluta certeza da fácil solução da culpa do casal pai/madrasta. Pois eu mesmo já começava a me perguntar se não seria mais fácil eu ceder e aceitar como natural a possibilidade de um pai jogar a filha pela janela. Afinal, o que custa me juntar à quase unanimidade.
Aquela história do Nelson Rodrigues de que “toda unanimidade é burra”, já deve ter caducado.
Foi quando meu hábito de deixar a televisão ligada e ir fazer outras coisas, me propiciou a oportunidade de assistir uma participação do Sergio Malandro em um programa de entrevistas.
De uma forma meio transversa, aquele interessante artista me mostrou o por quê de tanta raiva por parte de uma parcela tão significativa da população.
No meio de uma de suas falas meio “nonsense”, ele citou como exemplo de algo que todo mundo tem certeza o fato de Isabella ter sido assassinada pelo pai e pela madrasta. E a explicação de tal certeza é tão evidente, que estranho mesmo era eu ainda não ter percebido.
Disse o grande pensador, em sua certeza, não poder haver evidência maior de culpa, que o fato de uma vez acusados de assassinos, ambos, ao invés de gritarem, espernearem, se descabelarem e outras esperadas ações, tenham simplesmente decidido escrever, cada um deles, uma carta.
É verdade! Isso não havia ainda chamado minha atenção. Como alguém acusado de um crime tão bárbaro, é capaz de parar para colocar tudo que está sentindo no papel? Que tipo de gente é essa, que em estado de profunda emoção recorre a papel e tinta para tentar se expressar?
Talvez se tivessem enviado um Power Point à imprensa ou, melhor ainda, por e-mail, não importa a quem, tivessem colhido a solidariedade de muita gente. Com uma carta, manuscrita, não há realmente chance para eles.
Vou parando por aqui, porque com essa história de ficar registrando minhas opiniões por escrito, vou acabar sendo acusado de algum crime também.

domingo, 25 de maio de 2008

Os óculos do poeta


Fabio Bastos

Sou um caçador de notícias que possam render uma boa crônica e nesta semana me chamou a atenção o roubo dos óculos da estátua do Carlos Drummond de Andrade. Pelo que li no jornal foi a terceira vez que roubaram, basta reporem a peça que alguém vai lá e a surrupia.
O que não consigo entender é para que servem uns óculos de estátua? Talvez seja um fã roubando para ter uma recordação do ídolo, ou um ato de puro vandalismo, mas por que cismaram justamente com os óculos do poeta?
Abro aqui um parágrafo para lucubrar um pouco sobre a palavra óculos. Apesar de se tratar de um objeto único o vocábulo se refere a um par de óculos, ou simplificando óculos, e por isso a palavra pede o plural. Esclarecida essa curiosidade lingüística, fecho o parágrafo e volto para Drummond e seu infortúnio.
Como se não bastasse servir de banheiro para pombos e ficar exposto às intempéries, sem óculos nosso poeta fica privado de enxergar o que se passa ao seu redor. É mais uma maldade que se faz com tão ilustre personagem. A primeira foi colocar sua estátua virada para os edifícios. Tenho certeza que se pudesse escolher esse mineiro de Itabira iria preferir se sentar apreciando o marzão e mulheres de biquíni na areia. Encontraria com mais facilidade inspiração para seus poemas e crônicas.
Mas voltando à pergunta inicial: por que roubaram os óculos do poeta? Quem rouba alguma coisa o faz com uma finalidade, mas nesse caso não consigo entender o motivo. Houve uma época em que foi moda roubar escudos de carros. Não havia um fusca na cidade com o escudo com o logotipo da fábrica. Os jovens roubavam para usar como enfeite nos fichários. Não deixava de ser um ato ilegal e deplorável, mas com uma finalidade. Já os óculos de bronze de uma estátua não servem para nada.
Se ao menos tivessem o poder de transferir a quem os usasse a visão do mundo e a genialidade do poeta o roubo teria uma justificativa. O privilegiado que usasse os óculos poderia dar continuidade à obra do artista.
Só me resta dar uma sugestão ao ladrão. Que guarde os óculos com cuidado para colocar na estátua do presidente Lula, que certamente algum dia vai ter uma, se é que já não tem. Pode ser que com os óculos do Drummond a estátua enxergue o que o ser humano não consegue enxergar.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Enquanto a Roleta Roda

O jogo de Roleta sempre foi meu preferido nos cassinos internacionais. Trata-se de uma mesa verde com uma roda roleta e um display de números em cores alternadas entre vermelho e preto. Neste display se colocam as fichas, ou apostas. Também pode se escolher apostar somente nas duas cores. Uma vez as fichas postas na mesa o “Crupier”, (cara que põe a bolinha na roleta) bota pra rolar. Fortunas se fazem ou desfazem na roda, e tudo pode mudar de uma hora pra outra. Mas a roda é mais que um jogo. É uma metáfora para a economia mundial. Digamos que cada apostador seja um país, e cada numero da mesa também. Podemos também ir um pouco mais longe e pensar nas duas cores da mesa como economias centralizadas(controlada pelo governo), e economias de mercado(de livre iniciativa). Nesta mesa, tradicionalmente, cada país apostava pesado em si mesmo, eventualmente colocando algumas fichas em outro numero, nunca em outra cor. O esforço de cada pais servia como lucro primeiramente dele mesmo. Mas a roleta rodou. E a partir de algumas décadas atrás, esta dinâmica mudou por completo. Na economia moderna os apostadores jogam cada vez mais em outros números. Apesar de cor, procuram visar o lucro potencial. Alguns jogadores apostam em quase todos, estes chamaremos de superjogadores. Nesta metáfora a bolinha seria, claro, o tempo. E com este tempo é que vemos as apostas renderem, ou não. Eventualmente, os superapostadores têm que impor estrategicamente uma cor sobre algum numero, devido ao potencial de lucro. Mas os maiores conflitos de interesse não se encontram entre as duas cores, pois buscam objectivos diferentes, mas sim entre os números de cores similares. Dizem que ganhamos um grau de investimento. O que isso significa na realidade? Em nossa metáfora seria o equivalente a uma reputação dada a um numero significando que apostar nele é confiável. Mas como que o mesmo pais que foi votado entre os dez piores lugares do mundo para se conduzir negócios pelo ranking do Banco Mundial em 2007, pode merecer agora tal aprovação na área de investimentos? Parece estranho? E é. Chega de metáforas! A verdade é que o grau de investimento concedido ao Brasil, não é um aplauso mundial à nossa economia. Se trata de uma maneira dos superapostadores conseguirem liberar fundos para investirem aqui no Brasil. Por se tratar de um país emergente, o retorno pode ser bom. (É meus caros "país emergente" nada mais é que uma maneira bonita de dizer que não tem nada) E já que nosso próprio numero se ignorou por tanto tempo, tem tudo pra fazer aqui. E ai, o que isso significa para o Brasil? Investimento positivo? Talvez, mas imagina o que ganharíamos se o investimento fosse feita por companhias nacionais que pagariam impostos aqui. E enquanto a roleta roda e os apostadores procuram cada vez mais o lucro internacional, onde esta nosso apostador? Infelizmente, no outro lado da mesa sozinho, apostando no dólar.

terça-feira, 20 de maio de 2008

A PITADA DE INVEJA

A PITADA DE INVEJA



Perdemos Zélia Gattai.

Considerando o ciclo natural da vida, a morte de um “imortal” não chega a ser uma coisa muito surpreendente. Afinal, a turma do fardão, em sua grande maioria, é composta de literatos de idade avançada e, portanto, não é de se estranhar a partida desses nossos heróis. Até porque, o ingresso na ABL exige, além da comprovada competência, uma bagagem significativa de trabalho. E isso leva tempo.

Mas quero falar de Zélia.

Não da Zélia que durante uma vida se dedicou a falar de Jorge Amado. Bajular e badalar Jorge. A prioridade sempre foi promover Jorge. Não tinha a menor importância colocar-se num segundo plano, fora de cena, aparentando submissão e falta de opinião, o que não era o caso. Usava a serenidade e a doçura de sua voz como meio para elevar o nome de Jorge.

Não da Zélia, mulher, mãe e dona-de-casa, que não se cansava e não perdia oportunidades para falar da Bahia, de sua casa, do marido Jorge e de suas performances pessoais e profissionais e, de reboque, dos filhos Paloma e João Jorge.

Não da Zélia, militante política, de fantástica memória e inesgotável contadora de histórias.

Nada disso. Quero falar da Zélia, a descobridora de meu talento. Me desculpem a presunção, mas que se dane a modéstia.

Desde cedo, gostei de ler e escrever. Um cacoete tal e qual qualquer outro. O tempo passava e eu lia, escrevia, não gostava e, logo, logo, produzia dezenas de bolinhas de papel cujo destino era as latas de lixo. Até que, por volta de 1980, caiu em minhas mãos o livro “Anarquistas, graças a Deus”, da Zélia. Os acontecimentos que povoaram sua infância junto aos pais imigrantes italianos, fascinaram-me. Talvez, não tanto pela essência da história em si. Fiquei impressionado pela forma de narrar: simples, direta, sem rodeios ou sofisticações. Era como se estivéssemos, eu e ela, tomando água de coco e conversando num final de tarde na varanda da casa do Rio Vermelho. A conversa, ou melhor, a leitura fluía, banal, gostosa, natural, sem nenhuma necessidade de interrupções “para entender o que ela quis dizer”. Com aquele trabalho, Zélia iniciava sua carreira de escritora, já com mais de sessenta anos. Foi quando senti a tal pitada de inveja. Era assim, exatamente daquele jeito que eu queria escrever.

Finda a leitura, pensei: “Então é possível se escrever como se fala, sem circunlóquios (ela jamais usaria essa palavra), sem frases que suscitem dúvidas de interpretação, enfim, escrever como a Zélia escreve ?!...”

Minha cara Ana Proa, oficineira das melhores, tinha eu naquela época, mais ou menos a sua idade. Naquele dia, fiquei convencido (hummm ! esta expressão me lembra alguém!..) de que também era capaz. No meu caso, queria escrever pelo prazer de escrever, “sem fins lucrativos”. Esse era o meu horizonte.

Se um dia eu for entrevistado no Programa do Jô, direi com o maior prazer que “foi Zélia quem impulsionou minha carreira”. É assim que as celebridades falam.

E Zélia partiu.

Em minha estante, seus livros, agora mais do que nunca, continuarão em lugar de destaque, junto a Machado, Sabino, Nelson, Veríssimo e Novaes (puxada maior, impossível !!). Gosto de todos, mas a ela dispenso um carinho especial pelo bem que ela me fez e continua fazendo.

Fico imaginando como seria bom ler uma crônica de Zélia falando das coisas do Céu. Talvez dissesse, com a maior simplicidade do (outro) mundo: “São Pedro acabou de passar por aqui. Achei ele bem mais magro do que a imagem que eu tinha lá em casa. Mas podem ter certeza: a simpatia é a mesma !”



CARLOS MELO
Maio de 2008

domingo, 11 de maio de 2008

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Tribo TÓNEMAÍ

Pedro Widmar
Recentemente tem aparecido nas paginas dos diários, a Reserva Ianomâmi. Trata se de uma área de 97 km2 demarcada para uso exclusivo, dos ianomâmi (cerca de 3 mil pessoas) , e de acesso impedido à Policia Federal ou as forcas armadas. Estranho? Isso mesmo.
Mas enquanto em uma parte do continente um governo cede terra em quantidades abundantes para uso exclusivo de uma pequena parte de seus sujeitos, em outra, os cidadãos brigam pela separação efetuando até referendos para o direito de se organizar independentemente. (referendo de Santa Cruz de la Sierra)
O fato é que na Bolívia, foi votado recentemente se o estado de Santa Cruz deveria ou não ser autônomo até certo ponto. Basicamente, uma maioria do estado se organizou (isso mesmo gente acontece), e em uma forma de protesto ao Governo federal de Evo Morales, votou se queria continuar sobre o domínio do país. Mas por que esta longa historia de dominio de terra e independência? Bom, depois de ler o jornal do domingo e ver todas as acusações de improbidade e corrupção pensei, “Ora bolas, então deveríamos fazer isto aqui.”
Talvez o estado inteiro é ambicioso demais, mas pelo menos a cidade do Rio. Imagina só. Uma reserva independente do resto do pais! Seriamos do tamanho de Mônaco, ou Liechtenstein, um mero caroço de azeitona na grande pizza que é o Brasil.
Os bolivianos de Santa Cruz acreditam que com a autonomia vão conseguir se administrar de forma mais rápida e eficaz, pois não terão que esperar o governo para pagar seus empregados, ou contratar e aprovar obras. Parece o tipo de solução ideal para um estado que tem 90% da riqueza e ainda caminha como uma economia de quinto mundo. É justamente neste contexto que argumento uma divisão entre nossa cidade e o Brasil.
O único problema agora é como efetuar um voto. O Rio não se reúne nem para manifestar contra o direito de se manifestar! Exemplo: Marcha da Maconha, onde os direitos mais democráticos que temos (de manifestação) foram completamente esculachados, sem a mínima reação do povo.
Mas será mesmo que precisamos de um voto? Perai, a única coisa que precisamos é de uma tribo de índios e o governo nos cederia a terra gratuitamente! Isso mesmo, mas onde encontrar índios aqui? Talvez nem precisamos. Para muitos a tribo dos ianomâmis nem existe, especialmente já que nenhum dos índios assentados na reserva se chama de ianomâmi, e de fato pertencem a quatro ou mais tribos diferentes. Então, esta decidido, meus caros cariocas, se alguém te perguntar, você não é mais negro, branco, ou europeu. Só precisamos fingir um pouco. Daqui em diante somos todos da tribo TÔNEMAÍ. Inventei agora mesmo. A tribo TÔNEMAÍ: unidos para um Rio de Janeiro independente.

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Recentemente o Ministro da Fazenda, Guido Mantega, sugeriu que se cortássemos o leite e feijão das estatísticas a previsão de inflação do Brasil abaixaria ,6%. Como se o café com leite de manha e o feijão de almoço fossem itens dispensáveis à cultura brasileira. Não sei não, acho que precisamos mesmo é cortar a Mantega.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

A Roda de Samsara

Therezinha Mello

Deixei a palestra do conhecido fotógrafo Walter Firmo, lembrando dos ensinamentos orientais sobre a Roda de Samsara. Uma espécie de representação do giro incessante da vida, proporcionando-nos evoluções permanentes, mas sempre nos fazendo retomar um ponto de partida, para novamente continuar, continuar e continuar.

Quem conhece o Walter sabe que é um excelente contador de estórias. E foi assim, como se estivéssemos em sua sala de estar tomando um uisquinho, que nos pusemos a ouvi-lo falar de si com simplicidade e a observar os detalhes de suas fotos com especial interesse. Seu anfitrião era um colega de profissão, jovem e talentoso, que organizava o evento, homenageando o mestre pelos cinqüenta anos de trabalho.

Firmo chegou com a espontaneidade que é a sua marca, aliada a um tipo de boné, em tecido xadrez, que lhe conferia um aspecto blasé personalíssimo. Ele costuma usar, também, um tradicional e elegante panamá, que, provavelmente, naquele dia, não combinou com seu estado de espírito. Adquirira o hábito dos chapéus com o pai e, cultivar seu uso, acaba sendo para ele uma forma singela de lembrar o velho José Baptista, mantendo-o vivo de alguma forma.

A seqüência das fotografias foi aos poucos revelando o artista que já nele existia desde a infância. A atividade permitiu-lhe canalizar um verdadeiro mar de sensibilidade e gosto, na direção de suas lentes. Esse foi o jeito casual que adotou para enxergar a vida, por muito tempo apenas em tons de preto e cinza, contrastando com o branco. A cor veio depois, como uma nova descoberta.

Raízes de árvores centenárias confundindo-se com um corpo humano. Rostos variados, exibindo especialmente nuances da pela negra. Flagrantes de fé em mãos calejadas, saias de algodão ao vento, luz e sombra em aparente casualidade. Assistíamos ao suceder das imagens, impressionados com o que de humano entranhava-se em cada uma delas. Tocávamos peles, ouvíamos lamentos e orações, sentíamos o cheiro bom daqueles ambientes tão simples e tão contundentes ao mesmo tempo. Saboreávamos, com prazer, aqueles deliciosos instantâneos com jeito de eterno.

Quando falou de sua juventude Firmo lembrou o dia em que, rapazote ainda, com apenas dezoito anos, o jornalista Samuel Wainer, na redação do jornal Última Hora, convidou-o para sentar-se à beira de sua mesa durante uma reunião informal. Aquele simples gesto de companheirismo e espontaneidade lhe ficara na memória como um motivo de orgulho para o então iniciante profissional.

Terminada a exposição o jovem fotógrafo que conduzia o evento falou de sua emoção por receber Walter Firmo naquela noite. Ao concluir identificou-se: chamava-se João Wainer, era neto de Samuel e, pela primeira vez, ouvia aquela estória sobre seu avô e Walter. Houve um silencio logo depois.

Firmo, terminando a palestra, dirigiu a João palavras de carinho e incentivo, mantendo a difícil condição de olhos nos olhos e não dispensando um leve afago no ombro do anfitrião. Era a força do movimento impulsionador de Samuel Weiner de décadas atrás, que renascia em Walter e que ele nunca tinha esquecido. Era a Roda de Samsara que recomeçava ali seu movimento ininterrupto, movendo sutilmente aquelas vidas de diferentes gerações.

O que aconteceu ao Ronaldinho?

MARIZA RAJA

Por uma jogada do destino, um acidente, ele perdeu o que o alçava ao Olimpo.

À morada dos deuses, lugar em que os mortais vivem a fantasia de se tornarem imortais. Onde o poder é inebriante e sedutor, mas traz escondida a vulnerabilidade a que fica exposto o ser humano em qualquer situação da vida.

Ronaldinho por um desejo incontido errou o passe, pisou na bola, escorregou e caiu ao correr atrás do objeto desejado. E com isto deixou de fora os seus pés de barro, que se espatifaram e desabaram na poeira levantada pelo tombo.

Atordoado com o drible mal dado, e arrependido, tentou colar os pés, não deu certo, ficando um remendo mal feito e visível levando-o a um julgamento preconceituoso e galhofeiro por parte da mídia e dos seus torcedores.

Ao ser expulso do Olimpo como homem comum, não obteve o perdão e seu pecado tornou-se maior quando correu o mundo.

Suas fotos estampadas nos jornais mundiais, não lembram aquele Ronaldo saudável, risonho e feliz, mas mostram um homem fora do seu perfil de atleta, tristonho e humilhado.

E assim, temos a impressão de que este chute para fora estancou o jogo e proibiu a bola de rolar.

Portanto, meu caro leitor, pergunto-me: O que aconteceu ao Ronaldo?
Ao atleta que devido a sua arte e habilidade com a bola, recebeu o codinome de “Fenômeno” e legou-nos a nós brasileiros, tantos títulos e alegrias.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Abril em destaque

Fabio Bastos

O mês de abril foi pródigo de notícias fornecendo farto material para jornalistas e cronistas. Começou com o tenebroso caso do assassinato da menina Isabela. O pai e a madrasta, principais suspeitos do crime, alegam inocência e acusam uma misteriosa terceira pessoa que teria entrado no apartamento sem deixar vestígios. Provas técnicas e depoimentos comprometem o casal e são contestadas por seus advogados. Já condenados pela opinião pública eles irão enfrentar um longo e desgastante duelo judicial entre promotoria e defesa. Apesar da falta de evidências, torço para que a tal terceira pessoa realmente exista e seja encontrada, pelo bem dos outros filhos do casal.
No sul do país um padre aventureiro resolve voar carregado por balões de gás. Uma mudança repentina no tempo muda o rumo dos balões e o destino do padreco voador. Desaparecido no oceano sua alma subiu aos céus enquanto seu corpo desceu ao fundo do mar servindo de comida para peixe. O curioso é que ele levava “a bordo” um aparelho de GPS, mas não sabia utilizá-lo. É como se um analfabeto carregasse um livro ou um surdo-mudo um aparelho de rádio.
O solo da nossa pátria amada foi sacudido por terremotos e ciclones tropicais. Que venham agora os tsunamis. Na área financeira fomos agraciados com o cobiçado investment grade que recomenda investimentos estrangeiros no Brasil. A agência americana responsável afirma que a economia brasileira nunca esteve tão bem, para gáudio do nosso presidente fanfarrão que só não emplaca um terceiro mandato se realmente não quiser.
Da Europa vem a macabra notícia que um austríaco teve sete filhos com a própria filha trancafiada num porão da casa onde viviam. Pobres crianças que não sabem se chamam o canalha de papai ou de vovô. Ainda no velho mundo morre aos 102 anos o químico suíço que inventou o LSD. Ao criar a droga para fins medicinais ele não imaginava que iria proporcionar viagens alucinantes a uma geração “paz e amor”.
De volta ao Brasil temos a notícia mais surpreendente do mês, nosso craque fenomenal se envolve com travestis num motel na Barra da Tijuca. Alegou que na escuridão da noite não notou que a tal Andréa era de fato André. Acostumado a pegar modelos ele agora abre uma nova opção para seus casos amorosos. O terceiro sexo está animado com a perspectiva. Ele ainda tentou se explicar afirmando que é espada, mas o que ele fez é como batom na cueca, não tem explicação.
Já entrando em maio tivemos no Maracanã uma cena inusitada na festa do bicampeonato do Flamengo: o técnico rubro-negro, maior ídolo da torcida, deixa o clube vitorioso e consagrado. Estamos acostumados a ver técnicos serem enxotados pela porta dos fundos dos clubes responsabilizados pelo fracasso.
No mesmo dia na orla carioca o esperado confronto de passeatas acabou não acontecendo. Os fascistas da Caminhada pelo Direito da Família derrotaram por W.O. os vapozeiros da Marcha da Maconha, impedida de sair por decisão judicial. A Marcha apertou, mas não acendeu.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Uma solução para o Caso Isabella

Fernando Goldman

Gente!
Tem alguma coisa errada comigo! Alguma coisa muito errada. Ou talvez com a sociedade em que eu vivo.
Eu pergunto: Pode haver algo pior do que um pai ver sua atual esposa matar sua filha, fruto de outra relação, e aí aproveitar a oportunidade para jogá-la pela janela?
Pode! Acho que pior do que isso, só o imaginar, com naturalidade, que isso possa acontecer.
É aí que eu vejo que há algo errado comigo. Como diria Fernando Pessoa: “Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo”. Pois diante dos fatos. Diante de todas as evidências. Diante das provas produzidas pela polícia. Opa! “Produzidas” pode dar uma idéia de fabricadas. Melhor dizer todas as provas colhidas.
Pois bem, diante de tudo isso e das revelações de detalhes da vida do pai, como por exemplo, de que ele fez a prova da OAB três vezes e não passou, como se isso fosse algo incriminador, eu simplesmente me recuso a querer imaginar que um casal, por acreditar que uma criança morreu vítima de um solavanco mais forte, discutiu sobre o que fazer com ela e ambos chegaram à brilhante decisão de simular um assassinato, cometido por um invasor. Um terceiro, que teria jogado Isabella pela janela.
Isso tudo na frente de dois outros filhos. Pequenos é verdade, mas conhecedoras dessa possível verdade.
Pois é. Vendo a entrevista de Alexandre Nardoni e Anna Carolina, domingo, na televisão, eles não me passaram muita credibilidade. E foi aí que eu passei a acreditar neles. Você já viu um golpista que não quer parecer convincente? É! Da total falta de uma postura que mostrasse inocência, comecei a acreditar na possibilidade de aqueles dois estarem em total confusão mental. E comecei a me fazer umas perguntas malucas, fruto talvez da minha relutância em acreditar que a alma humana possa produzir um pai, que por mais dificuldade de se expressar que tenha, seja capaz de jogar sua filha pela janela do quarto de seus dois outros filhos.
Eu não sou policial, não sou psicólogo e pensando bem nem sei o que eu deveria ser para não me fazer uma pergunta tão boba. Por que jogar a filha, teoricamente morta, do quarto dos dois outros filhos, se ela tem seu próprio quarto? Parece uma pergunta doida, não é? Pois está aí uma coisa, que se foram eles mesmo que mataram a menina, eu vou ter muita curiosidade de entender.
Aliás, bem peculiar a situação desse tal de Alexandre Nardoni, que tem dois filhos com a atual esposa, compra um apartamento de três quartos e monta um quarto só para a filha de outra relação, que nem mora com ele.
Vejo também uma reportagem que dá como certa a autoria do crime pelos pais e afirma que Alexandre Nardoni sempre teve uma vida confortável. Diz mais, que quando era estudante de faculdade, tinha um Vectra último modelo, comprado pelo pai, e uma moto esportiva Honda CBR 900 RR (hoje avaliada em 60 000 reais). Era dono de uma concessionária de motos e fazia estágio no escritório do pai, o advogado tributarista Antonio Nardoni.
Ora, eu já tinha visto muita gente justificar a infância pobre para entrar no mundo do crime. Já tinha visto muito filhinho de papai se desviar de seu caminho, mas ainda não tinha pensado na hipótese de um filho de um advogado bem sucedido, formado em direito também, resolver jogar a filha, teoricamente morta, pela janela, para escapar da cadeia. Fico pensando que se isso caracterizar um nexo causal, quantos filhos de pais bem sucedidos que ainda não encontraram o mesmo grau de sucesso são assassinos em potencial, soltos por aí.
Depois, leio na mesma reportagem que a investigação que culminou no indiciamento do casal foi realizada por investigadores do 9º Distrito Policial de São Paulo. Diz a reportagem que a investigação não ficou a cargo da Delegacia de Homicídios, porque se achou por bem manter no caso os policiais que a iniciaram, ou seja , e aí vai minha interpretação, os que no primeiro momento descartaram qualquer outra hipótese e apostaram na culpa do casal. A reportagem cita o delegado Aldo Galiano, diretor do Departamento de Polícia Judiciária de São Paulo que teria afirmado que com isso, ganhou-se em precisão. "Fizemos um trabalho sem pressa e sem pressão, privilegiando o aspecto técnico do caso".
Eu tenho mesmo dificuldade de entender as coisas policiais. Pensava que o pessoal de uma delegacia especializada em homicídios seria o verdadeiro “aspecto técnico” de um caso de homicídio. E eu me pergunto também: os investigadores do 9º Distrito Policial de São Paulo não são de certa forma parte interessado no resultado final desse caso?
Pois muito bem. Já disse que não sou policial, não entendo nada disso, mas vou formular uma hipótese, pois do pouco que aprendi nas ciências, é formulando hipóteses que se chega a uma teoria válida.
Os pais afirmam que não mataram. Não houve arrombamento. Não há evidências de uma terceira pessoa na cena do crime, pois então como escritor eu tenho o direito de imaginar uma história. Mesmo que amanhã o casal confesse o crime, sempre vale à pena contar uma história.
Quantos empregados tem o prédio do ocorrido? Não sei. Sei que havia um porteiro na guarita ou na portaria. Será ele o único funcionário do prédio? Ele mora no prédio ? Tem parentes que moram no prédio ? Bem , deixemos de divagações e vamos à história:
Alguém, de dentro do prédio, tinha a chave do apartamento. Como? Não sei. Mas isso é bem possível de acontecer.
Esse alguém, sabendo que a família estava fora e sabendo que o prédio, ainda semi-vazio, tem pouco movimento, usa sua chave para entrar e verificar se há algum objeto que possa render algum trocado. Talvez para comprar drogas (estou inventando a história agora, talvez haja outras possibilidades). De repente, o Alexandre Nardoni chega com a menina adormecida no colo.
A terceira pessoa (vamos chamá-la assim, pois não sabemos se é homem ou mulher) se esconde em algum canto da casa. Está em pânico, ofegante, prestes a ser descoberta a qualquer momento e ter de explicar o que está fazendo ali ou ter de lutar para fugir e talvez até ter de usar a violência para escapar de ir, ou quem sabe voltar, para uma prisão suja.
Alexandre sabe que a menina está extenuada por um dia de passeios e brincadeiras com os irmãos. Deixa-a rapidamente na cama e, seguro de que ela dormia profundamente, apaga a luz do corredor, passa a chave na porta e vai buscar o resto da família.
A terceira pessoa percebe a oportunidade de escapar da enrascada em que se meteu, avança pelo corredor e acende a luz para enfiar a chave na porta mais rapidamente.
Porém, Isabella, ao ser carregada pelo pai e colocada na cama, saira do estado de sono profundo em que se encontrava, começando a despertar, vê a luz do corredor se acender. Meio sonolenta, levanta e vai receber os pais com os irmãzinhos.
Ao chegar ao corredor se depara com uma pessoa que conhece, mas que não tinha nada que estar fazendo em sua casa, àquela hora.
A terceira pessoa, ao ver Isabella, percebe escapar-lhe a última oportunidade de não ir para a prisão e resolve que não vai perder essa chance por causa de uma “simples garotinha”. Agarra a menina, que começa a gritar pelo pai, golpeia-a e tenta esganá-la. Não está segura de ter tido sucesso. Então lhe ocorre a idéia de fazer parecer que a menina se jogou pela janela. Arrasta-a para o primeiro quarto que encontra, já que por não ser da casa, não sabe que aquele quarto nada tem a ver com ela.
Para, simplesmente, jogar a menina, bastaria pegar uma faca ou uma tesoura e rasgar a rede de proteção em linha reta, mas a idéia era fazer parecer que a menina havia rasgado a rede para se atirar. Talvez simulando uma brincadeira de criança.
Por isso, a rede é cortada em círculo, dando a parecer tratar-se de uma traquinagem de criança que acabou mal.
Tendo jogado Isabella, a terceira pessoa sai o mais rapidamente possível pela porta com a chave que tem, tranca-a, porém esquece-se de apagar a luz do corredor e o resto da história todo mundo já conhece na versão de Alexandre.
Não é o tipo de história que eu gosto de contar.
Se amanhã os pais confessarem, ficou apenas como mais uma história, de um ingênuo que se recusar a acreditar nas evidências. Se isso não acontecer, tomara que o verdadeiro “aspecto técnico” resolva verificar essa hipótese.
Eu assistia, quando era criança, uma série na televisão chamada O Fugitivo, refilmado há pouco tempo, em que um médico jurava que sua esposa fora assassinada por um homem de um braço só, que apenas ele sabia existir. Não gostaria de ver esse filme em versão nacional.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

As duas pontas da vida

Mariza Raja

"O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida e restaurar na velhice a adolescência.”

Eu não ataria as duas pontas.

Pois me sentiria preso a um passado de lembranças que trariam frustrações, amarguras, decepções e algumas alegrias.

E com a experiência e sabedoria acumulada ao longo dos anos, não conseguiria manter o meu idealismo, tão próprio da juventude, pois a minha inocência, há muito teria perdido.

Também não gostaria de me transformar em um velho caduco, irresponsável e transgressor com uma volta à uma adolescência fugaz e fictícia.

No entanto, quando paro para pensar no amor viveria apaixonado por ele e me esqueceria de tudo o que eu disse acima.

Aí sim, seria como um retorno àquele jovem adolescente teimoso, que luta, tenta, falha, mas não perde a oportunidade de viver grandes e novos amores.

E assim gritaria: “Eu te amo! Você me faz o homem mais feliz do mundo!, mesmo que fosse só naquele momento.

E quando nos encontrássemos, eu lhe entregaria uma flor ainda em botão em meio a abraços e beijos enquanto meu coração sorrindo espocaria como fogos de artifício.

Passaria a usar melhor o tempo que tenho e não viveria no cume da montanha mas, subiria a sua encosta à procura da felicidade.

Andaria de mãos dadas com meu amor , descalço na areia molhada, deixando a chuva embaçar meus óculos, até cair extenuado de cansaço, enregelado com o coração aquecido por aquele momento.

E a cada paixão arrefecida, não teria vergonha de chorar para lavar a alma e recuperar as forças da dor inevitável.

Não teria medo, mesmo não conseguindo mudar a direção do vento, de ajustar as minhas velas em direção a minha amada.

Assim a minha velhice vivida na adolescência presente, me levaria a um futuro ausente, intocado, como as coisas belas da vida, que foram feitas para serem sentidas.

Então, entenderia e aplaudiria a frase do grande Machado de Assis:”O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida e restaurar na velhice a adolescência.”

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Coma tudinho, meu bem

Beatriz Botafogo

Lembro da minha mãe, quando eu era bem criança, dizendo que se eu comesse direitinho ganharia sobremesa. Esparramada no carpete da sala, examino os restos da minha orgia gastronômica... três pacotes de batatas fritas (800 calorias), 2 pacotes de pipoca de microondas (pipoca não conta, vai.) um mega milk shake (350 calorias), pizza (150 calorias por fatia – foram apenas três), uma porção de azeitonas (qual é? Contar caloria de azeitona é demais).

Bem, mamãe, sorrio para mim mesma, sua filhinha comeu tudinho e faz jus a sorvete.
Levanto pesadamente apoiando ambas as mãos no sofá, a sala roda. Engraçado. Não rodava assim antes. Deve ser o efeito da cervejada (esqueci de mencionar, mas é besteira, porque diurético faz até bem) que acompanhou os quitutes. Não faz mal, tomo um analgésico que passa. Tudo passa nessa vida. Sou otimista. Sou mesmo uma garota bem otimista. Tudo passa. Caramba, devo estar bêbada mesmo. To rindo sozinha. Observo minha silhueta no espelho. Faço uma referencia respeitosa. Putz, devo estar completamente bêbada.

Sirvo-me generosamente de sorvete. Eu mereço, penso, enquanto me aninho preguiçosamente no sofá, e puxo o cobertor até os joelhos. Observo a cobertura de chantilly spray condensando em contato com os floquinhos gelados. Que espetáculo. Robson (meu gato persa) roça minhas pernas pedindo carinho. Eu também sou uma gatinha. Ensaio um miado: - Miaaaaaaau!!! E... ops, black out.

Lembro de ter acordado e mirado o refletor e o teto branco do hospital que nem acontece em filme mesmo. Mamãe estava no canto da sala e não parecia muito feliz por eu ter comido tudinho. Tinha um outro cara também. Ah... sim, o médico. Cara, ele era hiper babaca. Fez um discurso gigante sobre misturar xenical e álcool. Tá por fora. Eu nem bebo (muito). Só tomo umas cervejinhas. Agora, xenical, tomo mesmo. É uma coisa que, tipo assim, todo mundo toma hoje em dia. Como ele acha que me mantenho magra/bonita? Enfiando os dois dedos na garganta é que não é (nessa hora eu lhe brindei com um sorriso branquinho). Tomar laxante é um lance que já passou. Até parece que esse cara não lê jornal. Não se atualiza. Eu, hein?

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Seu Esperma Vale um Ingresso

Seu Esperma Vale um Ingresso

Foi lançada na União Européia a campanha "Esperma por Ingressos" ( Sperm forTickets) para suprir a crise nos estoques dos bancos de fertilidade na Europa. O objetivo é trocar doações de esperma por ingressos para qualquer festival de música em exibição no continente, com todo o custo do envio pago pela campanha.

De acordo com o site da campanha, qualquer cidadão da União Européia pode participar, enviando amostras de esperma via correio para os bancos de fertilidade em contêineres especiais, adquiridos através do site. O slogan da campanha é “ We need sperma – You need tickets”, em português “Nós precisamos de esperma - Você precisa de tickets”.

Já imaginaram as conseqüências se a moda pegasse no Brasil ?

Num show com uma mega banda como o U2 no Maracanã, não haveria contêineres suficientes para a demanda. Os jovens “trabalhariam” incansavelmente para conseguir ingressos não só para eles como para suas amigas, namoradas e primas. Algumas meninas se ofereceriam para fazer a coleta desde que ficassem com os ingressos.

Com a esperteza dos brasileiros, alguns com produção “mais volumosa” dividiriam o conteúdo em 2 ou mais contêineres, e outros “menos volumosos” diluiriam com uma mistura a base de água e farinha de trigo, obtendo com isso mais ingressos. Nos períodos de troca, aumentariam as faltas nas escolas e faculdades, e diminuiriam as relações sexuais entre os jovens, pois ninguém iria desperdiçar material, porque a coleta, conforme as instruções, deveria ser feita diretamente no contêiner não podendo ter contato com o látex de camisinhas nem com saliva, porque alteraria a química, e o produto seria rejeitado na troca.

Uma coisa é certa: os shows teriam uma freqüência enorme “nunca vista na história deste país” como diz o nosso presidente. Uma horda de jovens com olheiras e ares cansados...

Mas já imaginaram se a campanha valesse para o show anual do cantor Roberto Carlos a bordo do famoso transatlântico? Com a faixa etária mais elevada, muitos com distúrbios de ereção, surgiria a figura do cambista que venderia sua produção para os que não conseguissem êxito na coleta. O preço seria estipulado pela oferta e procura, e pelo volume da coleta. Também seria motivo dos filhos e netos darem de presente os ingressos para os mais velhos. Se instalaria um comércio paralelo, com anúncios nos classificados, comprando e vendendo esperma. Quando a mãe batesse na porta do banheiro porque o filho estava lá há muito tempo, ouviria a resposta :

- Mãe, tô trabalhando pô!

Já até bolei um slogan para a campanha “tupiniquim, no caso de eventos para os adolescentes :

“Jovens: mãos à obra”

Paulo Borchert

O Dinheiro Move o Mundo (Uma crônica sobre o amor)

Fernando Goldman

Você é daqueles que acredita que o dinheiro move o mundo?

No fundo, no fundo, se você já viveu um, pelo menos um, grande amor, sabe que isto não é verdade. Ou pelo menos não é toda verdade.

Digo um amor mesmo, daqueles que só os iniciados entendem. Daqueles que começa como interesse, meio curiosidade, aumenta para paixão “súbita”, vai evoluindo para um bem estar constante e acaba em desespero. Com promessas de nunca mais se apaixonar, ou como diz a canção, “I'll Never Fall in Love Again”.

Sim, pois tudo um dia acaba. Pensando bem, a expressão “cair em amor” define melhor isso. Paixões da juventude não contam, elas brotam por impulsos naturais. Falo de um tipo de vírus que só nos pega quando já adquirimos certo grau de maturidade e acreditamos estarmos imunes a ele.

Tal tipo de amor não foi reservado a todos os seres humanos. Muita gente passa pela vida sem nunca realmente ter vivenciado tal experiência. Por medo, sorte ou azar, muita gente sequer imagina do que estou falando. Não que não se apaixonem.Alguns se enamoram, apenas.Outros apenas casam.Há os que vivem juntos.E tantas formas de dois seres humanos tentarem se completar.

Falo daquele sentimento que mereceria ser escrito em letra maiúscula, ou falado com uma entonação especial. Amooor.Aquele que realmente tira você do rumo.Tira você do chão. Faz você parecer flutuar e que como disse o poeta, “fatalmente lhe fará sofrer”.

Sabe quem foi a primeira pessoa a me confessar nunca ter experimentado tal intensidade de sentimento? Fernanda Montenegro. E antes que você pense mal de mim ou pior ainda dela, foi em um seminário empresarial. Ao responder uma pergunta da platéia, a grande dama do nosso teatro confessou ter interpretado muitas paixões, mas nunca ter se apaixonado de verdade na vida real.Disse amar seu marido, com quem vive há muitos anos, mas que nunca conhecera a paixão arrebatadora.

Somente os longos anos de estudo dos sentimentos humanos poderiam ter dado a ela tamanha clareza.Pois dentre os muitos que nunca viveram um grande amor, poucos têm essa percepção. Não os invejo, pois como disse meu professor de inglês, certa vez no ginásio:

“É o dinheiro que faz o mundo girar, mas é o amor que faz ele valer à pena”.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Olha a federal aí, gente!

Fernando Goldman
Reunião no Rio é sempre uma boa. Ainda mais para Marcelo, carioca convicto, há muitos anos morando em São Paulo.
No início, todo fim de semana vinha ao Rio. Curtia a praia, o visual do mar cercado de montanhas, os velhos amigos, choppinho no bar, paquera e o jeito de ser dos cariocas.
Logo, começou a ter amigos por lá também e, afinal de contas, nem todo fim de semana é de sol. Vai daí, começou a vir ao Rio só duas vezes por mês, depois só uma vez e quando viu, era um turista.
Tem coisa melhor do que ser turista no Rio? Resolveu agir como um deles. Reunião marcada, chegou no dia anterior para não correr riscos com engarrafamentos. Nada de subúrbio, onde morara. Nem as praias da zona sul, Copacabana, Ipanema e Leblon onde tradicionalmente se hospedam os homens de negócios. Hospedou-se, com vista total do mar, na Barra da Tijuca. Hotéis novos e uma fauna muito interessante de gente freqüentando a praia e os bares. Perto do novo escritório do cliente, onde seria a reunião. Nada de engarrafamentos e de quebra, aquele clima meio Miami em plena “pororoca cultural”.
Chegou tarde da noite, mas no dia seguinte cedinho, já estava na praia, na areia, assistindo o lindo espetáculo proporcionado pelo raiar do sol se espalhando no mar. Poder olhar para trás e ainda ver a Pedra da Gávea, sem que um paredão de prédios a escondesse, tornavam aquele momento especial para ele. Certamente mais do que para quem desfruta de toda essa vista diariamente.
Apesar de todo o seu crescimento, quando comparada com as praias mais tradicionais do Rio, a Barra ainda é mais natural e fica relativamente vazia àquela hora. Quase não havia gente na praia, principalmente na areia.
Marcelo sentou-se próximo à linha imaginária delimitada pelo alcance da água e ficou curtindo os primeiros raios de sol na areia gelada.
Olhando as ondas e o horizonte, aproveitando aquele momento prazeroso, imaginando se tomaria coragem de entrar no mar. Eis que de repente, olhou para o lado e viu um homem caminhando na sua direção. Tinha mais ou menos a sua idade, usava sunga e carregava embaixo do braço um computador.
Um objeto completamente inesperado! Não uma prancha de surf, como seria natural supor. Nem uma bola e nem mesmo uma caixa de isopor com cervejas ou picolés. O homem se aproximava trazendo debaixo do braço, nada mais, nada menos do que aquilo.
Não, não era um notebook, mas sim um gabinete de computador de mesa, ou seja lá como aquilo se chama. Uma caixa retangular, grande, branca, com aspecto de nova e que tornava o movimento daquele homem, na areia molhada, totalmente desengonçado.
Não havia como Marcelo não olhar. Seis da matina e aquele sujeito andando na areia com um computador e... Espera aí!
- Aquele sujeito não é o Vicente? Perguntou Marcelo para si próprio.
Há muitos anos que ele não via o Vicente, mas o jeito era inconfundível. De vez em quando, durante a adolescência, jogavam bola juntos na rua, lá no subúrbio onde moravam. O “de vez em quando” era porque Marcelo tinha poucas oportunidades, envolvido que andava com os estudos. Já o Vicente passava o dia todo na rua. Depois seus caminhos se separaram. O Vicente, de origem mais humilde, nunca foi mesmo muito chegado aos estudos e trilhou outros caminhos na vida. A última vez que Marcelo soube dele, estava trabalhando como frentista em um posto de gasolina.
As peças que a vida nos prega! Tanto lugar para encontrar o Vicente e ele ali de sunga com um computador debaixo do braço.
Quando Marcelo pensava em se levantar para ir falar com Vicente, viu-o fazer um gesto largo, semelhante ao de um arremessador de discos no atletismo, e lançar seu computador por sobre uma onda que chegava.
- Vicente! Gritou Marcelo.
Para sua surpresa, viu Vicente começar a correr dele.
Vicente correu alguns metros, pálido, quando pareceu ter reconhecido Marcelo.
- E aí? Fala Marcelão! Disse caminhando na direção de Marcelo.
- E aí Vicente? Treinando arremesso de computador a essa hora?
Apertaram as mãos e se abraçaram no cumprimento típico da turma da pelada.
- Que susto você me deu! Quando ouvi meu nome, achei que... Deixa pra lá. Você sumiu. Nunca mais te vi.
- É. Estou morando em São Paulo. E você? Ainda trabalha em posto de gasolina?
- Sim! Sou sócio de uma rede de postos de gasolina, lá no subúrbio.
- Huuum! E mora por aqui ou chegou cedo para treinar arremesso de computador?
- Moro logo alí, em um apartamento com vista total para o mar.
- Legal ! Sinal de que o trabalho te recompensou. Fico realmente feliz por você. Mas..., não repara a insistência. Que história é essa de jogar computador no mar?
- Hã rapaz! Você viu ontem na TV, o último jornal da noite? Nem consegui dormir por causa daquilo.
­- Não! Não vi não. Cheguei muito tarde e fui direto dormir.
- Pois é. A Federal invadiu a casa de um graúdo, aqui perto, e levaram o computador dele.
- Graúdo é? De posto de gasolina?
- Não, diretor de uma estatal, sei lá.
- Bom, e aí? O que tem uma coisa a ver com a outra?
- Sei lá malandro. Eu nunca precisei de computador. Nem sei usar direito esse troço. Todo mundo me enchendo o saco que eu não tinha computador. Comprei esse faz uma semana. Um garoto instalou lá em casa e não parei mais de receber mensagens. Agora, te digo uma coisa: A Federal pode até me pegar, mas não vão levar meu computador.
Marcelo, meio boquiaberto, só conseguiu balbuciar:
- É. Talvez faça algum sentido.
Achou melhor não perguntar mais nada e dizer que estava atrasado para se arrumar para a reunião. Vai que a Federal chega ali naquela hora?