segunda-feira, 24 de setembro de 2007

O Agora é para Sempre


Todos os dias quando acordo, não tenho mais o tempo que passou.” Renato Russo

O Riachuelo disputaria naquela tarde a última partida do primeiro turno do campeonato juvenil de basquete.

Maurício, técnico da equipe desde o início do ano, não sabia mais o que fazer para melhorar o desempenho do time.

Os meninos treinavam bem, mas, na hora do jogo, a ansiedade dos jovens atletas colocava tudo a perder.

O nervosismo era conseqüência da vontade de chegar à divisão principal, o que, para a maioria, também representava a oportunidade de melhorar de vida.

Maurício, treinador novato, conseguira o título infanto-juvenil na temporada passada e buscava se firmar na profissão.

Tudo o que tentara, até então, não fora suficiente para fazer com que os jogadores ficassem à vontade durante os momentos de competição.

Enquanto refletia sobre o conteúdo da preleção que logo faria no vestiário, foi surpreendido com a pergunta de um senhor bem idoso que dele se aproximou.

- Será que eu poderia falar com os meninos?

Maurício imediatamente reconheceu o interlocutor. Era o velhinho solitário que ficava sentado, no último degrau da arquibancada, há algumas semanas, acompanhando os treinos e os jogos.

Maurício hesitou na resposta. Receava o efeito da fala sobre os atletas e, mais ainda, uma possível reação debochada dos adolescentes que pudesse constranger o orador.

Acabou permitindo, tendo apenas solicitado que a exposição fosse curta já que o aquecimento dos jogadores estava prestes a se iniciar.

- Meninos! Minha avançada idade permite que os chame assim. Há muitos anos atrás, neste mesmo ginásio, vesti o uniforme que hoje vocês estão usando. Fiz parte do time juvenil que conquistou o primeiro título estadual do Riachuelo. Fui dos poucos que chegou até a divisão principal. Ao contrário do que podem estar pensando, não fiz carreira como jogador. A vida me levou para outros caminhos. Felizmente, à custa de muito esforço, tive sucesso na vida profissional. Na vida pessoal vivenciei muitas alegrias e algumas tristezas. A maior delas, a perda recente da companheira de tantos anos, me fez ver que a vida já soprava em brisa. Surgiu em mim a necessidade de reviver os prazeres da juventude na esperança de não deixar o vento parar. Por isto voltei ao ambiente do esporte. Tenho vindo de longe, nas últimas semanas, para assistir os treinamentos e os jogos de vocês. O talento que demonstram nos treinos desaparece quando começam as partidas. A razão é muito simples: nos jogos, vocês arremessam a bola para a cesta mirando no futuro. Assim é impossível pontuar. Nosso time foi campeão movido pelo simples prazer de jogar. No basquete, o tempo pára de ser contado quando a bola não está em jogo. Na vida, o cronômetro está sempre em movimento. Não deixem a vida escapar enquanto se transportam para um futuro incerto. Melhor é depois poder recordar, como eu, um presente bem vivido. Mirem apenas no agora que as bolas vão começar a cair.

Maurício nada acrescentou à preleção, mandando os meninos diretamente para o bate-bola. Naquele dia, pela primeira vez, viu seu time jogar como era capaz.

No returno do campeonato, ganharam quando puderam e perderam quando não foi possível vencer. O título não veio, mas, sem saber, já tinham recebido o troféu: a lição do velhinho que passaram a entoar, a seu pedido, em cada grito de guerra antes das partidas - o agora é para sempre.

Arthur Narciso - setembro de 2007

3 comentários:

Fabio Bastos disse...

Arthur
Bem-vindo ao blog com um texto excelente. Gosto muito quando vc diz que no basquete o tempo pára quando a bola não está em jogo e na vida não.
Continue prestigiando
Abs
Fabio

Mariza Reis Gabaglia disse...

Oi Arthur,

Uma crônica linda, sensível e com uma mensagem maravilhosa.

Abs,Mariza.

29/9/2007

Therezinha Mello disse...

Prezado Arthur,

Tê-lo de volta ainda que virtualmente, representa muito para a nossa Oficina. Gostei da imagem que associa as intensidades da vida e do vento. Coisa de gênio.

Um abraço, Therezinha