Por Therezinha Mello
A ingratidão humana não poupou a nossa classe dos palitos. Na saúde bucal somos hoje considerados inadequados e perdemos, pouco a pouco, a honrosa finalidade profilática. Os profissionais de odontologia desaconselham nosso uso, enxovalhando-nos de forma impiedosa. A discriminação é tão grande que os restaurantes só podem nos oferecer se hermeticamente fechados e em embalagens individuais. Definitivamente tornamo-nos “personas non gratas” para a maior parte da sociedade.
Felizmente ainda somos indispensáveis à mesa de alguns adeptos mais fiéis, que preservam o velho hábito de tatear o paliteiro, pinçando-nos ao acaso. Permanecemos boas companhias em sestas prolongadas, quando acabamos pendendo frouxamente dos lábios de glutões adormecidos. Os mais discretos procuram camuflar nossa atuação. Mantêm uma das mãos escondendo a outra que, com o nosso auxílio, investiga-lhes nos dentes as frestas de difícil acesso. Nesses casos, nossa utilidade é reconhecida, mas o hábito de usar-nos, julgado de elegância absolutamente duvidosa.
É claro que precisamos ficar visíveis, mas essa disponibilidade torna-se, em alguns momentos, uma espécie de “osso de ofício”. Os ansiosos, por nos perceberem literalmente ao alcance das mãos nas mesas de bar, extravasam suas angústias fazendo-nos em pedacinhos sem nenhum motivo aparente, num passatempo banal. Ao quebrar-nos, já não sabem mais o que fazer conosco. Desprezam-nos simplesmente no cinzeiro mais próximo atribuindo-nos, sem perceberem, uma nova finalidade. Valemos nesses momentos por um tranqüilizante, um lamento, um cigarro, um desabafo qualquer.
Nosso bilateral formato pontiagudo e a capacidade criativa dos usuários impingiram-nos a incômoda função de espetar o que quer que encontremos pela frente. Nas recepções, as azeitonas rechonchudas aguardam nossa intervenção para serem abocanhadas pelos convidados. Cubos de queijos e batatinhas só podem cumprir o papel de acompanhar o chopp gelado, se estivermos a postos, prontos para fisgá-los um a um.
As crianças gostam de brincar conosco, construindo casas e barcos, vendo em nós as retas dessas construções. Algumas descobrem que podemos nos transformar em bonecos, muito simples e magricelos. Espécies modestas de Pinóquios, nas mãos de pequenos Gepettos sorridentes e orgulhosos de suas criações.
Nas festas de aniversário temos um momento triunfal muito aguardado, quando caprichamos na espetadela e provocamos um grande “bum” que assusta os adultos e alegra os pequenos. A seguir fazemos chover brinquedos miúdos, que brotam de um grande balão colorido pendurado no teto. As crianças correm atarantadas procurando seus prêmios no chão. Passado o momento mágico, somos invariavelmente esquecidos num lugar qualquer. Mas isso não importa. Compreendemos as ingratidões porque sabemos que, o sentido de nossa existência, consiste em estarmos sempre por perto, sem jamais nos fazermos notar.
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Um comentário:
Therezinha
Eu tb abordei a rejeição do palito pelos dentistas e guias de etiqueta. Interessante é que tb usei o termo "persona non grata". Faltou incluir a utlilização do palito no jogo de porrinha. Uma abordagem muito bem humorada.
Bjs
Fabio
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