Fabio Bastos
Brasília, Palácio do Planalto, Gabinete da Presidência.
24 de agosto de 1961, seis da tarde — Abri uma garrafa e me servi uma dose generosa. Estavam todos contra mim, as forças armadas, os políticos da oposição e até os do meu próprio partido. Nem parecia que eu havia sido eleito presidente a menos de um ano e varrido com minha vassoura aquele marechal arrogante. Eles esqueceram rápido. O presidente americano havia apresentado um protesto veemente quando reatei relações comerciais com a União Soviética, China e Cuba. Eu queria ter visto a cara dele quando descobriu que também condecorei o Che Guevara. Por aqui também não pegou bem a condecoração, meus ministros militares não gostaram nem um pouco.
Acabou o gelo, servi uma dose caubói, dei um gole e despachei uma dúzia de bilhetinhos para meus assessores. Implicavam com tudo que eu fazia, reclamavam das proibições das brigas de galo, corridas de cavalo no meio da semana, lança-perfume e biquíni. Reclamavam até da roupa que eu vestia. Diziam que eu devia ter me ocupado com coisas mais importantes. Eles não sabiam o que era uma administração moderna e eficiente.
Dei mais um gole e a bebida desceu proporcionando uma agradável sensação. Até aquele jornalistazinho cretino que foi eleito governador da Guanabara se virou contra mim e veio falar em complô. Precisava dar uma resposta a altura para cortar as asas dele e colocá-lo no seu lugar. Se ele pensava que ia fazer comigo o que fez com o Getulio estava muito enganado. Decidi fazer um pronunciamento à nação pra mostrar com quem ele estava se metendo.
Reabasteci o copo e me preparei pra escrever o manifesto. Tinha que ser algo firme e contundente, algo que calasse a boca dele e mostrasse quem manda no país. Decidi transformar o manifesto numa carta de renúncia. Era isso! Ia dar um susto na nação ameaçando renunciar pra mostrar que eles precisavam mais de mim do que eu deles.
A idéia me empolgou, bebi num só gole e tornei a encher o copo. As palavras se multiplicavam no papel enquanto o copo se esvaziava. Já passava de meia-noite quando terminei a carta e a garrafa. Uma carta que iria sacudir o país. Fiquei cansado, mas satisfeito. Sem condições para ir até meu quarto dormi como estava no sofá do gabinete.
25 de agosto de 1961, seis da manhã — Acordei numa tremenda ressaca com a cabeça pesada e a boca amarga. Encontrei em cima da mesa a carta renúncia ao lado da garrafa vazia. Lembrei-me vagamente do que se passara na noite passada. Meu primeiro impulso foi rasgá-la, mas resolvi ler o que havia escrito. Fiquei sem saber quem eram as tais forças ocultas que mencionei, mas gostei do mistério que dava um toque de realismo ao pedido. Decidi enviar a carta como estava. Coloquei-a num envelope, lacrei-o e deixei-o na mesa da minha secretária com um bilhetinho para encaminhá-lo ao presidente do congresso às dez da manhã. Segui para meus aposentos e mandei Eloá preparar as malas porque íamos viajar.
Onze da manhã – No vôo para casa imaginei o impacto que a carta estaria causando e a cena do presidente do congresso reunido com os ministros militares discutindo meu pedido de renúncia. Eles nunca iriam aceitar e entregar o país para o meu vice. Ruim comigo, pior com ele e eles sabiam disso. Já instalado em meu apartamento em São Paulo aguardei a ligação de Brasília me implorando para voltar. Eu iria sair fortalecido daquela crise e imporia minhas condições. Eles não perdiam por esperar.
Três da tarde — O telefone tocou e fui comunicado que minha renúncia fora aceita e que eu já não era mais o Presidente da República. Meu governo durara apenas sete meses. O tiro havia saído pela culatra. Abri uma garrafa e bebi pra esquecer.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário