sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Marcha do Tempo

Por Therezinha Mello
O Senhor do Tempo convocou seus colaboradores para uma reunião. Nessas ocasiões mantinha o universo temporariamente fora do ar, para acertar os ponteiros com sua equipe. Quando chegou à sala encontrou o Passado, já sentado à mesa, conversando com o Presente ainda de pé e que, pontual como sempre, havia acabado de chegar. Sentaram-se todos e ficaram aguardando o Futuro que, habitualmente, se fazia esperar.

O Futuro destoava pela personalidade difícil. Não gostava de especulações sobre a sua vida e era resistente a qualquer tipo de ordem. Todas as suas parcerias com o Passado tinham sido um desastre. Ele desprezava o colega, como se nada tivesse a ver com ele. Olhava para a frente, queria o inusitado. Sentia-se vaidoso com a capacidade de se fazer aguardar, de criar ansiedade em torno de suas reações e das surpresas que costumava preparar. Divertia-se ao surpreender o Presente com seu comportamento imprevisível, mas estabelecia com ele um bom relacionamento. O fato é que o Presente era, no final das contas, quem verdadeiramente o acolhia em qualquer situação.

Temperamento tranqüilo, tinha o Passado. Sempre com suas obrigações em dia, finalizadas, não aceitava mudanças. Era emotivo e muito suscetível a críticas. Quando as pessoas se referiam a ele com desprezo, sentia-se desvalorizado e costumava chorar. Vivia com saudade, muitas vezes sem saber sequer definir a razão. Como o Futuro o tratava com distanciamento, ele foi se apegando ao Presente e fez dele um grande amigo. Onde o Presente ia era certo encontrar o Passado junto. Era conselheiro do Presente, que antes de tomar qualquer atitude drástica, consultava o amigo mais experiente.

O mais dinâmico de todos, sem dúvida, era o Presente. Chegava de um jeito tão sorrateiro que ninguém percebia e, logo a seguir, se ausentava. Sua maior virtude era a capacidade de renovar-se constantemente, de forma, por assim dizer, camaleônica. Poucos acompanhavam sua velocidade e pobre de quem se apegasse a ele. Era fugaz, não se prendia a nada nem a ninguém. Apenas existia, oferecendo sua sedutora companhia a quem quisesse e soubesse aproveitar. Após o efêmero instante, somente um ser no universo poderia compreendê-lo: seu amigo, o Passado.

Todos a postos, o Senhor do Tempo explicou que no planeta Terra as pessoas estavam correndo demais. Tinha reunido os três naquela sala porque precisava ouvi-los sobre esse fenômeno, já que Passado, Presente e Futuro confundiam-se neste momento entre os homens, devido à imensa velocidade em que viviam.

O Passado explicou que fez a sua parte, registrando na memória dos terrestres as conseqüências desastrosas desse comportamento. Mas, no planeta azul, a sinceridade nem sempre era bem vista. Como o Passado não sabia mentir, percebia que muitas vezes preferiam não ouvi-lo. Ponderou também que a qualidade de suas lembranças dependia do que o Presente conseguisse produzir. Melancólico, permaneceu à disposição da humanidade para consultas e conselhos.

O Presente confessou que sua auto-estima andava meio baixa. Ao final de cada dia, tinha a sensação de que ninguém na Terra lhe tinha dado atenção. Frustrado, alegava que os humanos mal olhavam para ele, e já estavam pensando no Futuro. Ele tinha deixado de ser o foco e assim ficava muito difícil construir o hoje. O amigo Passado tinha bons motivos para estar preocupado, mas ele também vinha passando maus bocados.

O Futuro admitiu temer pela própria sorte. Já não era olhado com a mesma confiança de antes e era um traço da sua personalidade necessitar permanentemente de que acreditassem nele. Alimentava-se de planos e projetos, mas para isso todos precisavam permanecer dispostos a sonhar. E sonhar, apesar de urgente, não pode ser com pressa. Era assustador imaginar que, pouco a pouco, poderia deixar de existir naquele planeta. A situação também não estava sendo fácil para ele.

O Senhor do Tempo percebeu que Passado, Presente e Futuro estavam cumprindo cada um o seu papel, segundo a lei da vida e, sendo assim, procurou tranqüilizá-los. Prosseguiam sucedendo-se em marcha inexorável, independente das vontades e dos humores. Organizavam fatos e sentimentos, temperando-os com experiência, transitoriedade e incerteza e isso jamais terminaria. Vendo-os sair, um a um, desejou que o universo compreendesse o tempo, em suas nuances, com a sua verdadeira e única vocação: seguir em frente e nada mais.

Um comentário:

Fabio Bastos disse...

Therezinha
Vc caracterizou com perfeição os 3 tempos. Fiquei aguardando a tal frase que não apareceu, o que não tira o mérito do texto. Um tema difícil e vc se saiu muito bem.
Bjs
Fabio