Ana Lúcia Prôa
Foi difícil tomar aquela atitude. Mas, um dia, encheu-se de coragem e arrancou de seu dedo a aliança que insistia em lembrá-la dos muitos e muitos anos em que se dedicara a um só. Ela estava lá em seu dedo apenas como enfeite fazia uns seis, sete, oito meses... Perdera as contas. Seu homem saíra de casa cansado da rotina, foi o que disse. E ela achou que seria passageiro. Pra que tirar a aliança então? Ele vai voltar.
O aro dourado em seu anelar era o símbolo da esperança. Olhava-o sempre com a certeza do retorno daquele a quem amava. Ou a quem se acostumara.
Não demorou muito para vê-lo desfilando com uma outra. Tipinho interessante, tão diferente dela. Tão cheia de vida! E ela ali... Como vela apagada com cera seca escorrida.
Ainda assim, não tirou a aliança. Fazia parte de seu corpo. Retirá-la seria tão violento quanto uma amputação. Não se sabia mais onde acabava a aliança e onde começava a pele. Era tudo uma coisa só.
Numa manhã, abriu os olhos e a primeira coisa que viu, pousada sobre seu travesseiro, foi a aliança-dedo. Esticou ainda mais o olhar e viu o travesseiro dele vazio. Por que ainda teimava em colocá-lo na cama? Sentiu náuseas. Levantou-se e o enjôo só fez piorar. Pensou em tomar um remédio, mas, a cada vez que olhava para sua mão esquerda, seu mal-estar se acentuava. Não era caso de remédio...
Foi aí que a coragem lhe subiu à cabeça, pegando um atalho pelo lado direito do peito, para não esbarrar no coração. Havia chegado a hora. Com os dedos da outra mão, começou a puxar aquele elo que não a ligava a mais ninguém. O elo insistia em ficar. Mas ela estava resoluta. Nada que um pouco de água e sabão não resolvessem. E foi com alívio que se deu a extirpação. O enjôo passou.
Mas nem deu tempo de comemorar a vitória sobre seus sentimentos. Seus olhos se arregalaram de pavor ao ver que, em lugar da aliança, restou em seu dedo um sulco. Profundo. Quase tão profundo quanto o sulco deixado por ele em seu íntimo.
Esfregou, esfregou, esfregou. Massageou toda aquela cavidade circular deixada pela aliança, mas nada de desaparecer. Ela era impotente perante a força daqueles anos e anos passados com alguém. Impossíveis de se apagar.
Passaram-se dias, semanas, meses... Como tatuagem, lá permanecia a marca de sua aliança.
Cansada de olhar para o símbolo do que não existia mais, resolveu colocar uma prótese: um belo anel com uma tremenda ametista se fixou por sobre o sulco.
Não o tirava para dormir. Não o tirava para tomar banho. A aderência foi total, sem rejeição da pele.
Começou a se sentir leve. Sua chama voltou a se acender. Decidiu se amar.
Um dia, resolveu arrancar a prótese. Não precisava mais dela. E que surpresa: a pele havia se regenerado. O sulco se preencheu de alegria de viver. As únicas marcas em seu corpo, agora, eram duas linhas de expressão no rosto que surgiam a toda hora, a cada novo sorriso.
O aro dourado em seu anelar era o símbolo da esperança. Olhava-o sempre com a certeza do retorno daquele a quem amava. Ou a quem se acostumara.
Não demorou muito para vê-lo desfilando com uma outra. Tipinho interessante, tão diferente dela. Tão cheia de vida! E ela ali... Como vela apagada com cera seca escorrida.
Ainda assim, não tirou a aliança. Fazia parte de seu corpo. Retirá-la seria tão violento quanto uma amputação. Não se sabia mais onde acabava a aliança e onde começava a pele. Era tudo uma coisa só.
Numa manhã, abriu os olhos e a primeira coisa que viu, pousada sobre seu travesseiro, foi a aliança-dedo. Esticou ainda mais o olhar e viu o travesseiro dele vazio. Por que ainda teimava em colocá-lo na cama? Sentiu náuseas. Levantou-se e o enjôo só fez piorar. Pensou em tomar um remédio, mas, a cada vez que olhava para sua mão esquerda, seu mal-estar se acentuava. Não era caso de remédio...
Foi aí que a coragem lhe subiu à cabeça, pegando um atalho pelo lado direito do peito, para não esbarrar no coração. Havia chegado a hora. Com os dedos da outra mão, começou a puxar aquele elo que não a ligava a mais ninguém. O elo insistia em ficar. Mas ela estava resoluta. Nada que um pouco de água e sabão não resolvessem. E foi com alívio que se deu a extirpação. O enjôo passou.
Mas nem deu tempo de comemorar a vitória sobre seus sentimentos. Seus olhos se arregalaram de pavor ao ver que, em lugar da aliança, restou em seu dedo um sulco. Profundo. Quase tão profundo quanto o sulco deixado por ele em seu íntimo.
Esfregou, esfregou, esfregou. Massageou toda aquela cavidade circular deixada pela aliança, mas nada de desaparecer. Ela era impotente perante a força daqueles anos e anos passados com alguém. Impossíveis de se apagar.
Passaram-se dias, semanas, meses... Como tatuagem, lá permanecia a marca de sua aliança.
Cansada de olhar para o símbolo do que não existia mais, resolveu colocar uma prótese: um belo anel com uma tremenda ametista se fixou por sobre o sulco.
Não o tirava para dormir. Não o tirava para tomar banho. A aderência foi total, sem rejeição da pele.
Começou a se sentir leve. Sua chama voltou a se acender. Decidiu se amar.
Um dia, resolveu arrancar a prótese. Não precisava mais dela. E que surpresa: a pele havia se regenerado. O sulco se preencheu de alegria de viver. As únicas marcas em seu corpo, agora, eram duas linhas de expressão no rosto que surgiam a toda hora, a cada novo sorriso.
11 comentários:
Ana
Um belo texto, envolvente e prende a atenção do leitor. Mais para conto do que para crônica, se é que entendi a diferença.
Martha Medeiros que se cuide, Ana Proa vem aí!
Bjs
Fabio
Ana,
A primeira coisa que fiz foi retirar a minha aliança e ver se tinha o mesmo sulco.
Tem! Mas tenho a sorte e o prazer de ainda ter o motivo do sulco ao meu lado, há 35 anos.
Belo texto muito emotivo e criativo.
Ana,
Tocante, sem resvalar para o piegas.
Para quem já teve que tirar aliança, chegou a dar um aperto no peito...
Aquele abraço,
Arthur
Ana,
Arthur já disse tudo que eu teria a dizer...
Abraços,
Carlos Augusto
Querida Ana,
Vc retrata a alma feminina com muita competência e sensibilidade. Gostei muito.
Bjs, The
Oi Anusca,
reforço minha opinião sobre a sua crônica, e tento seguir os passos,
para enviar comentários, segundo sua orientação.
Lá vou eu.
beijocas oficineiras.
Afinal!
Fui ou não fui? Eis a questão!
DESCOBRI!!!!!!!!!!!!!!
Eu estou lá embaixo!
Você é um GÊNIO!
Obrigadíssima.
Oi Ana,
Mais um excelente texto. Um retaro da vida. É inevitável lembrar de pessoas conhecidas/amigas que, certamente, "brigaram" com suas marcas. Parabéns.
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