segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Lá como cá

Maria Teresa Garcia

Em 1990 minha filha, Patrícia, foi aprovada numa seleção para trabalhar no Banco Central da Suécia. Como nunca havia saído do Brasil e iria morar, sozinha, tão distante de nós, achamos conveniente que ela passasse período em Portugal, com um casal amigo nosso, até a data de sua apresentação em Estocolmo. O que ainda demoraria alguns meses. E lá se foi a nossa Biguti para "Lugar D`Aldeia", povoado pertencente a "Santo Tirço", que, por sua vez é distrito da cidade do Porto. No princípio correu tudo bem. Por não gostar de ficar parada, a futura "intern" do BC sueco, foi plantar batatas, literalmente. Ajudava nosso amigo Manoel na pequena plantação.
Só não contávamos que a endêmica nostalgia portuguesa, cujo principal produto é o fado, fosse atacar uma brasileira, morena de beira da praia. Assim nossa menina entrou em depressão.
Agora preciso fazer um esclarecimento: Biguti foi o apelido que meu sogro colocou na primeira neta, a roliça Patricia, assim que a avistou através da envidraçada janela do berçário. Lamentavelmente não tive curiosidade de perguntar-lhe o significado da palavra e, pouco mais de um ano depois, ele faleceu. Mesmo sem saber o que quer dizer, o apelido ficou e é usado, até hoje, em ocasiões especiais. E aquela era uma ocasião especialíssima.
Em 1990 ainda não tínhamos computador em casa, telefonar para "Lugar D`Aldeia" era impossível e nosso meio de comunicação eram as cartas assim endereçadas:
Patricia - 2ºnome - 1º sobrenome - 2º sobrenome _ tomando todo o cuidado com os desdobramentos do endereço, que era longo.
Combinamos então que nos revezaríamos, escrevendo para ela todos os dias, e colocando o apelido "Biguti", usando parênteses, entre o 2º nome e o 1º sobrenome.
Além da depressão ela passou a conviver com a falta de notícias brasileiras.
Assustada, nossa menina foi a Santo Tirço, de onde nos telefonou e ficou sabendo que as cartas estavam sendo enviadas e eram abundantes pois todas as irmãs estavam participando do revezamento. O total de missivas, não entregues, já beirava os vinte!
Imediatamente Pat/Biguti dirigiu-se ao posto dos Correios onde de nada adiantaram seus apelos, suas lágrimas, a apresentação do passaporte, nem a mostra das outras cartas com seu nome e endereço.
Pois se nestas não constava o apelido "Biguti" era porque não se tratava da mesma pessoa._ E as letras? E os remetentes? Não serviam de prova? - perguntava uma aflita brasileira.Por sorte, lá como cá, existe o célebre QI (quem indica) e um amigo do seu Manoel, era amigo do prefeito e conseguiu, finalmente que as cartas fossem entregues.
Mas, avisaram à menina, para que ficasse bem claro, ser uma deferência ao senhor Prefeito, porque as cartas não lhe pertenciam.

2 comentários:

Arthur disse...

Maria Teresa,
Está mesmo muito boa, pá!
Ora bem, descobri o que significa B.I.G.U.T.I : brasileira, irritada, gritando e urrando, tamanha incompreensão!
Ia mesmo substituir incompreensão por ignorância, porém lembrei que sou brasileiro, mas também português, e que meu filho se chama Manoel.

Aquele abraço,
Arthur

Therezinha Mello disse...

Uma delícia a sua crônica. Fala de costumes familiares, de laços, achei bem ao seu estilo. Parabéns! The