quinta-feira, 8 de maio de 2008

A Roda de Samsara

Therezinha Mello

Deixei a palestra do conhecido fotógrafo Walter Firmo, lembrando dos ensinamentos orientais sobre a Roda de Samsara. Uma espécie de representação do giro incessante da vida, proporcionando-nos evoluções permanentes, mas sempre nos fazendo retomar um ponto de partida, para novamente continuar, continuar e continuar.

Quem conhece o Walter sabe que é um excelente contador de estórias. E foi assim, como se estivéssemos em sua sala de estar tomando um uisquinho, que nos pusemos a ouvi-lo falar de si com simplicidade e a observar os detalhes de suas fotos com especial interesse. Seu anfitrião era um colega de profissão, jovem e talentoso, que organizava o evento, homenageando o mestre pelos cinqüenta anos de trabalho.

Firmo chegou com a espontaneidade que é a sua marca, aliada a um tipo de boné, em tecido xadrez, que lhe conferia um aspecto blasé personalíssimo. Ele costuma usar, também, um tradicional e elegante panamá, que, provavelmente, naquele dia, não combinou com seu estado de espírito. Adquirira o hábito dos chapéus com o pai e, cultivar seu uso, acaba sendo para ele uma forma singela de lembrar o velho José Baptista, mantendo-o vivo de alguma forma.

A seqüência das fotografias foi aos poucos revelando o artista que já nele existia desde a infância. A atividade permitiu-lhe canalizar um verdadeiro mar de sensibilidade e gosto, na direção de suas lentes. Esse foi o jeito casual que adotou para enxergar a vida, por muito tempo apenas em tons de preto e cinza, contrastando com o branco. A cor veio depois, como uma nova descoberta.

Raízes de árvores centenárias confundindo-se com um corpo humano. Rostos variados, exibindo especialmente nuances da pela negra. Flagrantes de fé em mãos calejadas, saias de algodão ao vento, luz e sombra em aparente casualidade. Assistíamos ao suceder das imagens, impressionados com o que de humano entranhava-se em cada uma delas. Tocávamos peles, ouvíamos lamentos e orações, sentíamos o cheiro bom daqueles ambientes tão simples e tão contundentes ao mesmo tempo. Saboreávamos, com prazer, aqueles deliciosos instantâneos com jeito de eterno.

Quando falou de sua juventude Firmo lembrou o dia em que, rapazote ainda, com apenas dezoito anos, o jornalista Samuel Wainer, na redação do jornal Última Hora, convidou-o para sentar-se à beira de sua mesa durante uma reunião informal. Aquele simples gesto de companheirismo e espontaneidade lhe ficara na memória como um motivo de orgulho para o então iniciante profissional.

Terminada a exposição o jovem fotógrafo que conduzia o evento falou de sua emoção por receber Walter Firmo naquela noite. Ao concluir identificou-se: chamava-se João Wainer, era neto de Samuel e, pela primeira vez, ouvia aquela estória sobre seu avô e Walter. Houve um silencio logo depois.

Firmo, terminando a palestra, dirigiu a João palavras de carinho e incentivo, mantendo a difícil condição de olhos nos olhos e não dispensando um leve afago no ombro do anfitrião. Era a força do movimento impulsionador de Samuel Weiner de décadas atrás, que renascia em Walter e que ele nunca tinha esquecido. Era a Roda de Samsara que recomeçava ali seu movimento ininterrupto, movendo sutilmente aquelas vidas de diferentes gerações.

2 comentários:

Fabio Bastos disse...

Therezinha
Um texto muto bem escrito, ao seu estilo. As palavras que descrevem as fotos valem por imagens. Vejo tb que vc inseriu a roda de Sansara no início, como o mestre Novaes sugeriu. Ficou bom e texto ficou redondo, como a própria roda.
Parabéns
Fabio

Maria Teresa disse...

Oi Terê,
GENIAL!
Vou, correndo, procurar rever as fotos de Walter Firmo.
Seu texto deu, a elas, uma nova dimensão.
Samsara tem tudo a ver.
PARABÉNS!!!!!!!!