domingo, 25 de maio de 2008

Os óculos do poeta


Fabio Bastos

Sou um caçador de notícias que possam render uma boa crônica e nesta semana me chamou a atenção o roubo dos óculos da estátua do Carlos Drummond de Andrade. Pelo que li no jornal foi a terceira vez que roubaram, basta reporem a peça que alguém vai lá e a surrupia.
O que não consigo entender é para que servem uns óculos de estátua? Talvez seja um fã roubando para ter uma recordação do ídolo, ou um ato de puro vandalismo, mas por que cismaram justamente com os óculos do poeta?
Abro aqui um parágrafo para lucubrar um pouco sobre a palavra óculos. Apesar de se tratar de um objeto único o vocábulo se refere a um par de óculos, ou simplificando óculos, e por isso a palavra pede o plural. Esclarecida essa curiosidade lingüística, fecho o parágrafo e volto para Drummond e seu infortúnio.
Como se não bastasse servir de banheiro para pombos e ficar exposto às intempéries, sem óculos nosso poeta fica privado de enxergar o que se passa ao seu redor. É mais uma maldade que se faz com tão ilustre personagem. A primeira foi colocar sua estátua virada para os edifícios. Tenho certeza que se pudesse escolher esse mineiro de Itabira iria preferir se sentar apreciando o marzão e mulheres de biquíni na areia. Encontraria com mais facilidade inspiração para seus poemas e crônicas.
Mas voltando à pergunta inicial: por que roubaram os óculos do poeta? Quem rouba alguma coisa o faz com uma finalidade, mas nesse caso não consigo entender o motivo. Houve uma época em que foi moda roubar escudos de carros. Não havia um fusca na cidade com o escudo com o logotipo da fábrica. Os jovens roubavam para usar como enfeite nos fichários. Não deixava de ser um ato ilegal e deplorável, mas com uma finalidade. Já os óculos de bronze de uma estátua não servem para nada.
Se ao menos tivessem o poder de transferir a quem os usasse a visão do mundo e a genialidade do poeta o roubo teria uma justificativa. O privilegiado que usasse os óculos poderia dar continuidade à obra do artista.
Só me resta dar uma sugestão ao ladrão. Que guarde os óculos com cuidado para colocar na estátua do presidente Lula, que certamente algum dia vai ter uma, se é que já não tem. Pode ser que com os óculos do Drummond a estátua enxergue o que o ser humano não consegue enxergar.

7 comentários:

Ana Lúcia Prôa disse...

Terminou muito bem sua crônica! Parabéns! (Confesso que a li todinha achando que vc ia me acusar pelo roubo dos óculos do Drummond, já que agora adentrei o mundo dos 4 olhos, conforme publiquei no meu blog, kkkkkkk!!!!!)

BEIJOS GRANDES!!!!!!

Fabio Bastos disse...

Ana

Não me ocorreu, mas com certeza vc é suspeita.

Bjs
Fabio

Paulo Borchert disse...

Grande Fabio,
Nosso coordenador provando que faz jus ao cargo! Uma ótima crônica com um excente e atual final.
Não seria o caso de colocarem um óculos de outro material que não seja o cobre, cmo arame pintado? ou deixá-lo sem os óculos para não ver as coisas como o nosso Presidente...
Fui no "pai dos burros" pra ver se faltava um "e" em locubrar, mas as duas são sinônimos. Nada como um mestre.
Em tempo: A Ana, nossa "liquid paper oficial" não necessita do óculos do Drumond para escrever belas crônicas!

Ana Lúcia Prôa disse...

Querido Fábio, vc, como sempre, continua uma figura, que arranca sorrisos e gargalhadas cada vez que leio qq coisa sua (inclusive seu comentário acima).

Querido Paulo, vc, como sempre, continua um gentleman e muito inspirado em seus textos (inclusive seu comentário acima). Adorei a definição "liquid paper oficial"! Já me deu inspiração para nova postagem no meu blog, kkkk! Me aguarde!!!

Beijos grandes nos dois e em todos os oficineiros!

Maria Teresa disse...

Oi Fábio,
eu também sempre senti ser um erro terem sentado o Drummond de frente para os prédios. Afinal,sendo mineiro, ele jamais daria as costas para o mar.
O final foi ótimo, mesmo você tendo sonhado com o impossível.
"O pior cego é o que não quer ver."

Therezinha Mello disse...

Fabio,
É muito interessante quando se consegue "clicar" em dois pontos do cotidiano, como o roubo do óculos e a crítica à Presidência. A união dessas duas pontas dá uma crônica linda e super natural. Valeu!

The

Fernando Goldman disse...

Bela crônica.

O nível das postagens desse blog está subindo numa velocidade tal, que daqui a pouco vou ter de arrumar outro pouso.

Estão todos de parabéns.