quarta-feira, 4 de junho de 2008

Duas Caras

Therezinha Mello

Débora resolveu fazer aquela festinha na última hora. Estava completando quarenta anos e, um mês antes, tinha confessado a uma amiga que andava meio de baixo astral e não queria nem comemorar o aniversário. Nem um chopp. Nada. Mas logo depois tinha conhecido Cláudio e sua vida tinha agora um novo colorido. Cláudio era professor de Física na PUC. Um intelectual charmoso que já ia pelos cinqüenta, cabelos grisalhos e uma inteligência fora do comum.

Ela convidou Cláudio para a reunião, na sua casa, sábado à noite. Deu um jeito na sala com a ajuda de uma amiga, decorou com uns arranjos de flores, providenciou salgadinhos e colocou cervejas na geladeira. Encomendou uma torta de chocolate, porque descobriu que Cláudio era chocólatra, sendo esse um de seus poucos prazeres mundanos. Levava a vida alheio a quase tudo, desvendando fórmulas e descobrindo soluções para as questões acadêmicas que lhe povoavam a mente.

Entregava-se a discussões filosóficas e era constantemente convidado para ministrar palestras até mesmo no exterior. Vivia cercado pelos alunos, que solicitavam explicações e bibliografias. Atendia a todos com paciência, embora com o ar desligado de quem está voltado para questões superiores, acima da compreensão geral.

Se não estivesse contaminada pela violenta paixão, se ainda lhe restasse um mínimo de bom senso, muito provavelmente Débora perceberia o ar estranho daquele intelectual. Mas àquela altura do campeonato, depois de um jantarzinho a dois na sexta-feira, Débora achava que tinha procurado a vida inteira por alguém assim. Tinha mudado radicalmente de interesses, mostrando-se atualizada com os novos lançamentos literários e sugerindo, sob os cenhos franzidos dos amigos, recitais de música erudita na Sala Cecília Meirelles.

Quando Claudio chegou, os olhares curiosos se voltaram para ele. Tentando ser simpático, cumprimentou os amigos de Débora com o ar mais casual que conseguiu demonstrar. Percebeu que Cristiano e Jader estavam em ferrenha discussão sobre o resultado de Vasco e Flamengo que estava terminando no Maracanã. Ficou meio sem jeito porque, de futebol, dizer que não entendia nada era muito. Pediu uma bebida à Débora e foi até a janela.

Isabela, vizinha de Débora, perguntou se ela não podia ligar a TV para verem o último capítulo da novela. Débora, rapidamente, fez um sinal com o indicador direito sobre os lábios, e pediu que a amiga calasse a boca.

“ –Onde é que já se viu? O Cláudio detesta novela! Ele nem podia imaginar quem era o Juvenal Antena. Que papo é esse de Portelinha? Quer acabar comigo?”

Isabela não conversou.
“– Aí pessoal! Quem quer ver o último capítulo da novela lá em casa?”

E a mulherada se atropelou na direção da porta. Elas precisavam saber com quem o Juvenal ia acabar. Em menos de cinco minutos a sala de Débora ficou praticamente vazia.

“– O que aconteceu?”, perguntou ele com ar distraído.

“– Ah, eu também não entendi. Não vejo novela, você sabe, mas parece que tem uma que acaba hoje...”

Ele sorriu com estranho interesse e perguntou:
“ – É “Duas Caras”?

E Débora, assustada:
“- Por que você está perguntando?”

Ele tentou disfarçar:
“- Por nada não. Será que eu posso ir até lá só um pouquinho?

E, roendo a unha do polegar desabafou ansioso:
“-Eu só quero ver se o beijo gay sai ou não sai...”

3 comentários:

Fabio Bastos disse...

The
Essa é a Therezinha na sua fase informal.
Brilhante!
Bjs
Fabio

Ana Lúcia Prôa disse...

MARAVILHOSO!!!!!!!! Therezinha, confesso que logo saquei que o cara era gay. Perfeito demais pra ser verdade. Mas o desfecho que vc deu foi sensacional! Ainda que, pra mim, não houvesse mais a surpresa, foi uma surpresa da mesma forma. Grande sacada!!!!!!

Beijos grandes da tua fã!!!!!!

Paulo Borchert disse...

Therezinha,
Gostei desta cônica assim que lemos na Of.Informal. Aborda um tema interessante, que é o fascínio da novela sobre a grande maioria da população, entre a qual eu não me incluo. Mas é interessante, pois até um nerd como o pretenso namorado da moça, cede ao desejo de ver o beijo gay e vai para a vizinha.
Parabens