Therezinha Mello
Joaquim era, por natureza, exagerado. Até mesmo nas proporções de sua compleição física, possuindo alta estatura e abdômen avantajado. Perto dele acabávamos às gargalhadas, porque sua alegria precisava de espaço. Abraçava-nos com muita firmeza e sinceridade, dando-nos a impressão de que jamais abraçaria ninguém, se não fosse daquela forma. A voz rouca acompanhava o sorriso quase infantil, de dentes miúdos. Sim, porque o rosto era uma exceção. Joaquim tinha na fisionomia de criança uma expressão gentil e, o olhar, era doce.
Nos bares, em pleno verão, chegava calorento e juntava-se a nós. Chamava de imediato o garçom e pedia logo dois chopes. Alguém dizia: “-Não, pra mim não precisa!”. Ele ria, divertido. Quando o garçom se aproximava com a bebida na bandeja, segurava-lhe o braço com a mão esquerda e, com a direita, entornava o primeiro chope na garganta de uma só vez. Devolvia à bandeja o copo vazio, dizendo ao garçom: “-Obrigado. Pode levar.”. Só então o libertava, soltando-lhe o braço. Depois continuava conversando e, bebendo em ritmo normal, o segundo chope estrategicamente solicitado. Viriam, na seqüência, outros tantos, enquanto houvesse história pra contar, gente pra ouvir e petiscos para acompanhar.
Uma vez o médico recomendou que ele só comesse queijo, se fosse branco. Nenhum outro era permitido. “-Sabe como é, Sr. Joaquim! É mais saudável, o senhor vai ver! Precisamos baixar este colesterol.”. Joaquim deixou o consultório pensativo. Logo ele que fritava pele de galinha pra comer com cerveja! Só de pensar dava água na boca... Mas, ordens são ordens. E, médicas então, nem se fala. Passou pelo supermercado e comprou logo meia dúzia de queijos. “-Estavam fresquinhos!”, contou-nos depois, justificando-se. Chegou em casa, cortou um deles em pedaços miúdos e comeu, todo, com bastante sal e um fiozinho de azeite por cima . Não satisfeito, fez-se acompanhar por uma cerveja bem gelada. Os outros cinco ele acabou com todos durante a semana seguinte. Com a consciência tranqüila fez, do seu jeito, o que o médico havia determinado com cautela e bom senso.
Certa vez foi ao Marrocos com a mulher e alguns amigos. Logo que chegou, percebeu que um marroquino esperto cobrava uma fortuna em dólares para quem quisesse dar uma voltinha de camelo. Ele não quis, dizendo que não era maluco, nem idiota. Deixou o marroquino falando sozinho e continuou o passeio. Sua mulher, ao contrário, encantou-se pela idéia e, quando ele se deu conta, ela já estava lhe acenando do alto do ruminante. Primeiro ele achou um absurdo e ficou irado. Depois, como sempre, inventou uma piada. Chegou ao Brasil contando pra todo mundo que sua mulher, pelo preço que pagou, tinha comprado um camelo no Marrocos e estava até agora esperando a entrega a domicílio. Ela o fuzilava com os olhos e, nós, nos acabávamos de rir.
Minha tarde ontem ficou nublada. Triste mesmo. Fiquei sabendo que o Joaquim morreu, já há alguns anos. Hoje em dia está se tornando comum a gente se perder das pessoas que gosta, tropeçando nos compromissos e envolvendo-se na pressa. De repente, leva um soco na boca do estômago. Por muito tempo, ignorando a sua morte, lembrei dele como se estivesse vivo. E acho, francamente, que tudo pode continuar assim. Joaquim sempre gostou de viajar, de correr mundo. E quem me garante que não é isso mesmo o que ele está fazendo? Correndo mundo? E se eu bem conheço o meu amigo, está feliz. Está muito, muito feliz se querem saber, porque o Joaquim não é de deixar por menos. Sempre foi exagerado. Muito exagerado.
terça-feira, 17 de junho de 2008
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2 comentários:
The
Assim como a Skol o seu texto desce redondo. Ao ler a crônica podemos sentir a presença do Joaquim do nosso lado. Vc é uma especialista em criar e desenvolver personagens e vai ser nossa professora.
Bjs
Fabio
The,
Seu texto está muito bom.Leve,desce macio e redondo como diz o Fabio.Parabéns. Bjs,Sergio
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