Fernando Goldman
O sinal fechou quando meu carro ia passar.
Parado na Venceslau Brás, fiquei olhando o muro branco do Iate Clube, do outro lado da rua, bem à minha frente. Eis que passa ante meus olhos uma “Mulher Apaixonada”.
Sim! Só podia ser. Ares de deusa pagã, impressionando pela simplicidade, alegria, beleza e naturalidade, visíveis até ao mais distraído observador. Eu, por exemplo.
Certamente era uma mulher de poucas posses, mas brilhava.Não precisava dos recursos usados pelas modernas executivas para disfarçar o estresse.
Não! Usava um vestido de chita, nem curto nem longo, bege com estampado bem discreto, possivelmente comprado em alguma casa popular.
A roupa, sem modelagem muito elaborada, sem os adereços usuais, não pretendia realçar seu belo e rijo corpo jovem moreno, mas realçava. Não fazia a menor questão de chamar atenção de quem quer que fosse, mas chamava.
Não estava produzida. Usava sandálias baixas e apesar disso era possível notar a musculatura de suas pernas, como se estivessem em saltos desses bem altos e provocantes. Percebia-se uma naturalidade no andar, uma feminilidade ,uma graciosidade, uma espontaneidade de quem está pronta para um grande salto e anda pela calçada sem se importar com o resto do mundo. Afinal, as mulheres apaixonadas não se preocupam mesmo com o resto do mundo.
Só então me dei conta de que ela carregava, à frente do corpo, apoiado nas duas mãos, algo como um prato de comida, coberto por um outro prato, ambos embrulhados em um guardanapo branco. Um arranjo típico de quem leva uma refeição para um trabalhador. Uma espécie de marmita, levada por ela como se fosse um símbolo.
Só olhá-la de longe era um prazer para o espírito. Quando começava a querer imaginar como seria estar perto dela, tive um sobressalto, pois percebi, caminhando na sua direção, um homem pardo, de macacão, rosto com a barba por fazer,com toda a pinta de quem acabou de sair de uma oficina mecânica, parecendo não querer se desviar dela. Tive ímpetos de defendê-la, de buzinar , de gritar, de fazer qualquer coisa para impedir sua aproximação. Foi então que pude vê-la entregando-lhe a tal marmita, e os dois trocaram um longo e apaixonado beijo.
Confesso ter ficado pensando na felicidade tão simples daquele casal humilde durante todo o resto do dia. Inveja?Não.Curiosidade. Instinto investigativo. O que tornava tão mágico aquele momento para aqueles dois? O que tornou tão mágico aquele momento para mim, mero observador.
Por que tantos casamentos , dentro de tanto conforto material se desfazem, e, no entanto, a simples entrega de uma marmita poderia estar coberta de tanta ternura? Se são casados? Não sei e pouco importa.O fato é, em um minuto, todos os meus pensamentos e divagações sumiram, em troca de um dos mais belos espetáculos da natureza: uma mulher apaixonada.
E como tem sido difícil vê-las apaixonadas. Talvez em comerciais de TV ainda existem algumas. Aqui fora, estão embrutecidas. Andam presas numa das maiores confusões conceituais de nossa era. Mesmo as que em determinado momento se dedicam à sedução, fazem-no de uma forma cada vez mais distante da entrega emocional.
O mundo mudou, a sociedade mudou, mas elas ou pensam no trabalho, ou nos filhos, ou na casa, ou ainda pensam que casar é seu objetivo, nem que seja para separar. Que pena!
Mulheres apaixonem-se!
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4 comentários:
Fernando
Bem-vindo ao nosso blog.
Grande estréia! Uma crônica cheia de sentimento e com uma mensagem para as mulheres.
Pensando melhor,uma mensagem para todos os sexos, sem discriminação.
Continue prestigiando nosso blog
Abs
Fabio
Fernando caríssimo (como diria o Novaes),
ARRASOU!!!!!
Li as duas crônicas de uma só tacada. Achei a primeira inspiradíssima mas a segunda (AH...
A SEGUNDA!) está perfeita. Tempos atrás já chamei atenção para a sua sensibilidade. Quem falou que um pragmático não consegue se emocionar? Nota MIL!
Mª Teresa
Oi Fernando,
no meu comentário faltou o "nos emocionar" (eu quis dizer emocionar a nós mulheres) tentei consertar e acabei apagando.
Enganos de analfabetismo cibernético.
Abração,
Mª Teresa
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