Fernando Goldman
O jogo ia começar. Não sendo vascaíno,nem botafoguense, confesso ter entrado na onda do milésimo gol. Não acho justo e não gostaria de ver o baixinho ficar conhecido como “Charitas-Castelo”, ou seja , nove-nove-nove.
Times entrando em campo e o interfone tocando para me avisar já estar começando a reunião de condomínio. Eu nunca gostei de ir a essas assembléias. Imagino só gostar delas um demente. Por outro lado, era uma boa oportunidade de começar a conhecer alguns de meus novos vizinhos,pois mudei há apenas duas semanas. Havia ainda o pedido especial do simpático síndico, para eu não deixar de comparecer.
Bem,o jeito hoje era torcer para só sair gol no segundo tempo. Quarenta e cinco minutos me pareciam suficientes para uma primeira participação em assembléia.
Saí no corredor, esperei o elevador, desci dezesseis andares, operação que não consumiu mais do que cinco minutos e quando passei pelo porteiro, que até então me parecera muito sério, perguntei-lhe assim só por perguntar:
- O jogo já começou?
- Está dois a um, doutor . Respondeu ele.
- Estou perguntando o Vasco e Botafogo.
- Pois então,está dois a um.
Não conhecia ainda muito bem o porteiro, imaginei ser ele meio “matusquela”.Se o jogo mal havia começado, como poderia já estar dois a um? Resolvi não esticar muito o papo. Quando cheguei, a assembléia, está sim, já havia começado.
Como é comum nessas reuniões, apenas algo em torno de dez por cento dos moradores estavam presentes. O síndico apontou-me uma cadeira vazia ao seu lado,na qual me sentei. No centro da sala, um homem com ar de muito sério,explicava aos demais condôminos, terem as contas do síndico, do último exercício, sido detalhada e metodicamente examinadas pelo conselho fiscal, nada havendo de errado, sendo portanto o parecer pela aprovação das mesmas.
Pensei comigo mesmo. Essa vai ser rápida e assembléia de condomínio quanto mais rápida, melhor. Afinal, talvez nenhum outro evento que reúna pessoas tem a capacidade de retratar tão bem as mazelas da nossa sociedade. E quanto melhor o padrão do prédio, pior a situação. Como imaginar que uma amostra colhida ao acaso, daquilo que um amigo meu chama de “Pororoca Cultural”,ou seja, nossa sociedade, possa resultar em algo produtivo?
Aquela, tudo indicava, ia bem. Parecer favorável do conselho, todo mundo com cara de quem quer acabar rápido aquele tormento e ir ver o jogo, presidente da mesa já computando os votos pela aprovação das contas e eis que uma senhora, pediu a palavra. Um frio percorreu a minha espinha.Um pressentimento me dizia que não deviam dar a palavra a ela.
- Por que nos mês de dezembro, o pró-labore do síndico tem valor dobrado?
Um silêncio abismal tomou conta da sala. Comecei a temer pelo segundo-tempo do jogo. O tempo passava, uns se coçavam, outros olhavam a planilha de prestação de contas. Até o homem que minutos atrás falava com tanta propriedade em detalhes e métodos, agora estava mudo, parecia apalermado. Eu queria tanto tirar-nos daquele desconfortável impasse. Falei meio sem pensar:
- Gente, eu imagino que deva ser o décimo-terceiro.
Não lembro de nenhum outro momento em minha vida ter conquistado tamanha unanimidade. Todos na sala, apontaram o dedo para mim e para o síndico e perguntaram em uníssono:
- Onde já se viu décimo-terceiro salário a título de pró-labore?
Decididamente, eu não havia começado bem. O síndico tomou a palavra:
- Ora, se todos os funcionários ganharam décimo-terceiro, por que não eu,como acaba de defender nosso novo vizinho.
Eu até tentei explicar não estar defendendo coisa alguma. Minha intenção era apenas achar uma explicação e voltar para frente da televisão o mais rápido possível. Não houve jeito de explicar, a confusão estava instaurada e todos falavam ao mesmo tempo. Um baixinho subiu numa cadeira e disse com grande saber jurídico:
- Se o síndico ganha décimo-terceiro, é funcionário. Tem direito a férias.
Serenados os ânimos, uma outra senhora, a qual eu já havia visto várias vezes conversando com o síndico, fez uma proposta que eu imaginei ser uma espécie de piada. Consistia em a partir de agora diluir o valor do décimo-terceiro nos próximos doze meses , de modo que não fosse necessário pagar um décimo-terceiro pró-labore ao síndico no próximo ano. Eu até estava me preparando para rir da piada, quando a confusão recomeçou. A proposta dela era a sério.
Enquanto todos se engalfinhavam, vi o porteiro indo até o bebedor. Aproveitei para me aproximar dele e perguntei:
- Quanto está o jogo?
- Quatro a três, me respondeu ele.
- Acabou? Perguntei atônito.
- Não, está no primeiro tempo.
Percebi que dele eu não ia conseguir nenhuma informação séria. O jeito era tentar acabar com a reunião.
- Minha gente! Se a assembléia é para aprovação de contas e nós já descobrimos que há um erro nas contas, por que não reprová-las e acabar com isso.
O síndico me olhou com se eu fosse Judas em pessoa.
O presidente da mesa propôs a votação. Todos se sentaram, mas o síndico mudou de lugar. O presidente explicou então haver três possibilidades de voto.”Aprovação das Contas”, “Aprovação com Ressalva” e “Não Aprovação”. Como eu era o mais próximo da mesa, iniciei à votação:
- Não aprovo.
Houve novo silêncio e eu me senti olhado por todos. Após alguns longos segundos, o presidente continuou a colher os votos dos presentes. Um a um, sem exceção:
- Aprovo com ressalva.
Até a senhora que havia feito a pergunta, detonando toda aquela confusão, votou pela aprovação com ressalva. Em resumo,eu fui o único a votar pela não aprovação das contas. O presidente considerou as contas “Aprovadas com Ressalva”, seja lá o que isso possa querer dizer, e deu por encerrada a reunião.
O síndico embolsou o tal do décimo-terceiro e eu fiquei como vilão da história.Todos se cumprimentaram, mas não a mim, e fomos todos embora.
Sei lá quando o Romário vai fazer o gol 1000. Sei que nunca mais eu volto numa assembléia de condomínio.
terça-feira, 8 de abril de 2008
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2 comentários:
Fernando
Essa é das antigas, do tempo em que o Romario ainda fazia gol. Boa a tirada do "Charitas-Castelo" 9-9-9.
Abs
Fabio
Pior que assembléia de condomínio só
velório. Uma boa dica é pedir a alguem pra ligar pro celular depois de 20 minutos do início, atender, falar alguma coisa preocupante, sair de fininho, e não voltar.
Mas o melhor mesmo é não ir...
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