terça-feira, 22 de abril de 2008

Uma solução para o Caso Isabella

Fernando Goldman

Gente!
Tem alguma coisa errada comigo! Alguma coisa muito errada. Ou talvez com a sociedade em que eu vivo.
Eu pergunto: Pode haver algo pior do que um pai ver sua atual esposa matar sua filha, fruto de outra relação, e aí aproveitar a oportunidade para jogá-la pela janela?
Pode! Acho que pior do que isso, só o imaginar, com naturalidade, que isso possa acontecer.
É aí que eu vejo que há algo errado comigo. Como diria Fernando Pessoa: “Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo”. Pois diante dos fatos. Diante de todas as evidências. Diante das provas produzidas pela polícia. Opa! “Produzidas” pode dar uma idéia de fabricadas. Melhor dizer todas as provas colhidas.
Pois bem, diante de tudo isso e das revelações de detalhes da vida do pai, como por exemplo, de que ele fez a prova da OAB três vezes e não passou, como se isso fosse algo incriminador, eu simplesmente me recuso a querer imaginar que um casal, por acreditar que uma criança morreu vítima de um solavanco mais forte, discutiu sobre o que fazer com ela e ambos chegaram à brilhante decisão de simular um assassinato, cometido por um invasor. Um terceiro, que teria jogado Isabella pela janela.
Isso tudo na frente de dois outros filhos. Pequenos é verdade, mas conhecedoras dessa possível verdade.
Pois é. Vendo a entrevista de Alexandre Nardoni e Anna Carolina, domingo, na televisão, eles não me passaram muita credibilidade. E foi aí que eu passei a acreditar neles. Você já viu um golpista que não quer parecer convincente? É! Da total falta de uma postura que mostrasse inocência, comecei a acreditar na possibilidade de aqueles dois estarem em total confusão mental. E comecei a me fazer umas perguntas malucas, fruto talvez da minha relutância em acreditar que a alma humana possa produzir um pai, que por mais dificuldade de se expressar que tenha, seja capaz de jogar sua filha pela janela do quarto de seus dois outros filhos.
Eu não sou policial, não sou psicólogo e pensando bem nem sei o que eu deveria ser para não me fazer uma pergunta tão boba. Por que jogar a filha, teoricamente morta, do quarto dos dois outros filhos, se ela tem seu próprio quarto? Parece uma pergunta doida, não é? Pois está aí uma coisa, que se foram eles mesmo que mataram a menina, eu vou ter muita curiosidade de entender.
Aliás, bem peculiar a situação desse tal de Alexandre Nardoni, que tem dois filhos com a atual esposa, compra um apartamento de três quartos e monta um quarto só para a filha de outra relação, que nem mora com ele.
Vejo também uma reportagem que dá como certa a autoria do crime pelos pais e afirma que Alexandre Nardoni sempre teve uma vida confortável. Diz mais, que quando era estudante de faculdade, tinha um Vectra último modelo, comprado pelo pai, e uma moto esportiva Honda CBR 900 RR (hoje avaliada em 60 000 reais). Era dono de uma concessionária de motos e fazia estágio no escritório do pai, o advogado tributarista Antonio Nardoni.
Ora, eu já tinha visto muita gente justificar a infância pobre para entrar no mundo do crime. Já tinha visto muito filhinho de papai se desviar de seu caminho, mas ainda não tinha pensado na hipótese de um filho de um advogado bem sucedido, formado em direito também, resolver jogar a filha, teoricamente morta, pela janela, para escapar da cadeia. Fico pensando que se isso caracterizar um nexo causal, quantos filhos de pais bem sucedidos que ainda não encontraram o mesmo grau de sucesso são assassinos em potencial, soltos por aí.
Depois, leio na mesma reportagem que a investigação que culminou no indiciamento do casal foi realizada por investigadores do 9º Distrito Policial de São Paulo. Diz a reportagem que a investigação não ficou a cargo da Delegacia de Homicídios, porque se achou por bem manter no caso os policiais que a iniciaram, ou seja , e aí vai minha interpretação, os que no primeiro momento descartaram qualquer outra hipótese e apostaram na culpa do casal. A reportagem cita o delegado Aldo Galiano, diretor do Departamento de Polícia Judiciária de São Paulo que teria afirmado que com isso, ganhou-se em precisão. "Fizemos um trabalho sem pressa e sem pressão, privilegiando o aspecto técnico do caso".
Eu tenho mesmo dificuldade de entender as coisas policiais. Pensava que o pessoal de uma delegacia especializada em homicídios seria o verdadeiro “aspecto técnico” de um caso de homicídio. E eu me pergunto também: os investigadores do 9º Distrito Policial de São Paulo não são de certa forma parte interessado no resultado final desse caso?
Pois muito bem. Já disse que não sou policial, não entendo nada disso, mas vou formular uma hipótese, pois do pouco que aprendi nas ciências, é formulando hipóteses que se chega a uma teoria válida.
Os pais afirmam que não mataram. Não houve arrombamento. Não há evidências de uma terceira pessoa na cena do crime, pois então como escritor eu tenho o direito de imaginar uma história. Mesmo que amanhã o casal confesse o crime, sempre vale à pena contar uma história.
Quantos empregados tem o prédio do ocorrido? Não sei. Sei que havia um porteiro na guarita ou na portaria. Será ele o único funcionário do prédio? Ele mora no prédio ? Tem parentes que moram no prédio ? Bem , deixemos de divagações e vamos à história:
Alguém, de dentro do prédio, tinha a chave do apartamento. Como? Não sei. Mas isso é bem possível de acontecer.
Esse alguém, sabendo que a família estava fora e sabendo que o prédio, ainda semi-vazio, tem pouco movimento, usa sua chave para entrar e verificar se há algum objeto que possa render algum trocado. Talvez para comprar drogas (estou inventando a história agora, talvez haja outras possibilidades). De repente, o Alexandre Nardoni chega com a menina adormecida no colo.
A terceira pessoa (vamos chamá-la assim, pois não sabemos se é homem ou mulher) se esconde em algum canto da casa. Está em pânico, ofegante, prestes a ser descoberta a qualquer momento e ter de explicar o que está fazendo ali ou ter de lutar para fugir e talvez até ter de usar a violência para escapar de ir, ou quem sabe voltar, para uma prisão suja.
Alexandre sabe que a menina está extenuada por um dia de passeios e brincadeiras com os irmãos. Deixa-a rapidamente na cama e, seguro de que ela dormia profundamente, apaga a luz do corredor, passa a chave na porta e vai buscar o resto da família.
A terceira pessoa percebe a oportunidade de escapar da enrascada em que se meteu, avança pelo corredor e acende a luz para enfiar a chave na porta mais rapidamente.
Porém, Isabella, ao ser carregada pelo pai e colocada na cama, saira do estado de sono profundo em que se encontrava, começando a despertar, vê a luz do corredor se acender. Meio sonolenta, levanta e vai receber os pais com os irmãzinhos.
Ao chegar ao corredor se depara com uma pessoa que conhece, mas que não tinha nada que estar fazendo em sua casa, àquela hora.
A terceira pessoa, ao ver Isabella, percebe escapar-lhe a última oportunidade de não ir para a prisão e resolve que não vai perder essa chance por causa de uma “simples garotinha”. Agarra a menina, que começa a gritar pelo pai, golpeia-a e tenta esganá-la. Não está segura de ter tido sucesso. Então lhe ocorre a idéia de fazer parecer que a menina se jogou pela janela. Arrasta-a para o primeiro quarto que encontra, já que por não ser da casa, não sabe que aquele quarto nada tem a ver com ela.
Para, simplesmente, jogar a menina, bastaria pegar uma faca ou uma tesoura e rasgar a rede de proteção em linha reta, mas a idéia era fazer parecer que a menina havia rasgado a rede para se atirar. Talvez simulando uma brincadeira de criança.
Por isso, a rede é cortada em círculo, dando a parecer tratar-se de uma traquinagem de criança que acabou mal.
Tendo jogado Isabella, a terceira pessoa sai o mais rapidamente possível pela porta com a chave que tem, tranca-a, porém esquece-se de apagar a luz do corredor e o resto da história todo mundo já conhece na versão de Alexandre.
Não é o tipo de história que eu gosto de contar.
Se amanhã os pais confessarem, ficou apenas como mais uma história, de um ingênuo que se recusar a acreditar nas evidências. Se isso não acontecer, tomara que o verdadeiro “aspecto técnico” resolva verificar essa hipótese.
Eu assistia, quando era criança, uma série na televisão chamada O Fugitivo, refilmado há pouco tempo, em que um médico jurava que sua esposa fora assassinada por um homem de um braço só, que apenas ele sabia existir. Não gostaria de ver esse filme em versão nacional.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

As duas pontas da vida

Mariza Raja

"O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida e restaurar na velhice a adolescência.”

Eu não ataria as duas pontas.

Pois me sentiria preso a um passado de lembranças que trariam frustrações, amarguras, decepções e algumas alegrias.

E com a experiência e sabedoria acumulada ao longo dos anos, não conseguiria manter o meu idealismo, tão próprio da juventude, pois a minha inocência, há muito teria perdido.

Também não gostaria de me transformar em um velho caduco, irresponsável e transgressor com uma volta à uma adolescência fugaz e fictícia.

No entanto, quando paro para pensar no amor viveria apaixonado por ele e me esqueceria de tudo o que eu disse acima.

Aí sim, seria como um retorno àquele jovem adolescente teimoso, que luta, tenta, falha, mas não perde a oportunidade de viver grandes e novos amores.

E assim gritaria: “Eu te amo! Você me faz o homem mais feliz do mundo!, mesmo que fosse só naquele momento.

E quando nos encontrássemos, eu lhe entregaria uma flor ainda em botão em meio a abraços e beijos enquanto meu coração sorrindo espocaria como fogos de artifício.

Passaria a usar melhor o tempo que tenho e não viveria no cume da montanha mas, subiria a sua encosta à procura da felicidade.

Andaria de mãos dadas com meu amor , descalço na areia molhada, deixando a chuva embaçar meus óculos, até cair extenuado de cansaço, enregelado com o coração aquecido por aquele momento.

E a cada paixão arrefecida, não teria vergonha de chorar para lavar a alma e recuperar as forças da dor inevitável.

Não teria medo, mesmo não conseguindo mudar a direção do vento, de ajustar as minhas velas em direção a minha amada.

Assim a minha velhice vivida na adolescência presente, me levaria a um futuro ausente, intocado, como as coisas belas da vida, que foram feitas para serem sentidas.

Então, entenderia e aplaudiria a frase do grande Machado de Assis:”O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida e restaurar na velhice a adolescência.”

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Coma tudinho, meu bem

Beatriz Botafogo

Lembro da minha mãe, quando eu era bem criança, dizendo que se eu comesse direitinho ganharia sobremesa. Esparramada no carpete da sala, examino os restos da minha orgia gastronômica... três pacotes de batatas fritas (800 calorias), 2 pacotes de pipoca de microondas (pipoca não conta, vai.) um mega milk shake (350 calorias), pizza (150 calorias por fatia – foram apenas três), uma porção de azeitonas (qual é? Contar caloria de azeitona é demais).

Bem, mamãe, sorrio para mim mesma, sua filhinha comeu tudinho e faz jus a sorvete.
Levanto pesadamente apoiando ambas as mãos no sofá, a sala roda. Engraçado. Não rodava assim antes. Deve ser o efeito da cervejada (esqueci de mencionar, mas é besteira, porque diurético faz até bem) que acompanhou os quitutes. Não faz mal, tomo um analgésico que passa. Tudo passa nessa vida. Sou otimista. Sou mesmo uma garota bem otimista. Tudo passa. Caramba, devo estar bêbada mesmo. To rindo sozinha. Observo minha silhueta no espelho. Faço uma referencia respeitosa. Putz, devo estar completamente bêbada.

Sirvo-me generosamente de sorvete. Eu mereço, penso, enquanto me aninho preguiçosamente no sofá, e puxo o cobertor até os joelhos. Observo a cobertura de chantilly spray condensando em contato com os floquinhos gelados. Que espetáculo. Robson (meu gato persa) roça minhas pernas pedindo carinho. Eu também sou uma gatinha. Ensaio um miado: - Miaaaaaaau!!! E... ops, black out.

Lembro de ter acordado e mirado o refletor e o teto branco do hospital que nem acontece em filme mesmo. Mamãe estava no canto da sala e não parecia muito feliz por eu ter comido tudinho. Tinha um outro cara também. Ah... sim, o médico. Cara, ele era hiper babaca. Fez um discurso gigante sobre misturar xenical e álcool. Tá por fora. Eu nem bebo (muito). Só tomo umas cervejinhas. Agora, xenical, tomo mesmo. É uma coisa que, tipo assim, todo mundo toma hoje em dia. Como ele acha que me mantenho magra/bonita? Enfiando os dois dedos na garganta é que não é (nessa hora eu lhe brindei com um sorriso branquinho). Tomar laxante é um lance que já passou. Até parece que esse cara não lê jornal. Não se atualiza. Eu, hein?

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Seu Esperma Vale um Ingresso

Seu Esperma Vale um Ingresso

Foi lançada na União Européia a campanha "Esperma por Ingressos" ( Sperm forTickets) para suprir a crise nos estoques dos bancos de fertilidade na Europa. O objetivo é trocar doações de esperma por ingressos para qualquer festival de música em exibição no continente, com todo o custo do envio pago pela campanha.

De acordo com o site da campanha, qualquer cidadão da União Européia pode participar, enviando amostras de esperma via correio para os bancos de fertilidade em contêineres especiais, adquiridos através do site. O slogan da campanha é “ We need sperma – You need tickets”, em português “Nós precisamos de esperma - Você precisa de tickets”.

Já imaginaram as conseqüências se a moda pegasse no Brasil ?

Num show com uma mega banda como o U2 no Maracanã, não haveria contêineres suficientes para a demanda. Os jovens “trabalhariam” incansavelmente para conseguir ingressos não só para eles como para suas amigas, namoradas e primas. Algumas meninas se ofereceriam para fazer a coleta desde que ficassem com os ingressos.

Com a esperteza dos brasileiros, alguns com produção “mais volumosa” dividiriam o conteúdo em 2 ou mais contêineres, e outros “menos volumosos” diluiriam com uma mistura a base de água e farinha de trigo, obtendo com isso mais ingressos. Nos períodos de troca, aumentariam as faltas nas escolas e faculdades, e diminuiriam as relações sexuais entre os jovens, pois ninguém iria desperdiçar material, porque a coleta, conforme as instruções, deveria ser feita diretamente no contêiner não podendo ter contato com o látex de camisinhas nem com saliva, porque alteraria a química, e o produto seria rejeitado na troca.

Uma coisa é certa: os shows teriam uma freqüência enorme “nunca vista na história deste país” como diz o nosso presidente. Uma horda de jovens com olheiras e ares cansados...

Mas já imaginaram se a campanha valesse para o show anual do cantor Roberto Carlos a bordo do famoso transatlântico? Com a faixa etária mais elevada, muitos com distúrbios de ereção, surgiria a figura do cambista que venderia sua produção para os que não conseguissem êxito na coleta. O preço seria estipulado pela oferta e procura, e pelo volume da coleta. Também seria motivo dos filhos e netos darem de presente os ingressos para os mais velhos. Se instalaria um comércio paralelo, com anúncios nos classificados, comprando e vendendo esperma. Quando a mãe batesse na porta do banheiro porque o filho estava lá há muito tempo, ouviria a resposta :

- Mãe, tô trabalhando pô!

Já até bolei um slogan para a campanha “tupiniquim, no caso de eventos para os adolescentes :

“Jovens: mãos à obra”

Paulo Borchert

O Dinheiro Move o Mundo (Uma crônica sobre o amor)

Fernando Goldman

Você é daqueles que acredita que o dinheiro move o mundo?

No fundo, no fundo, se você já viveu um, pelo menos um, grande amor, sabe que isto não é verdade. Ou pelo menos não é toda verdade.

Digo um amor mesmo, daqueles que só os iniciados entendem. Daqueles que começa como interesse, meio curiosidade, aumenta para paixão “súbita”, vai evoluindo para um bem estar constante e acaba em desespero. Com promessas de nunca mais se apaixonar, ou como diz a canção, “I'll Never Fall in Love Again”.

Sim, pois tudo um dia acaba. Pensando bem, a expressão “cair em amor” define melhor isso. Paixões da juventude não contam, elas brotam por impulsos naturais. Falo de um tipo de vírus que só nos pega quando já adquirimos certo grau de maturidade e acreditamos estarmos imunes a ele.

Tal tipo de amor não foi reservado a todos os seres humanos. Muita gente passa pela vida sem nunca realmente ter vivenciado tal experiência. Por medo, sorte ou azar, muita gente sequer imagina do que estou falando. Não que não se apaixonem.Alguns se enamoram, apenas.Outros apenas casam.Há os que vivem juntos.E tantas formas de dois seres humanos tentarem se completar.

Falo daquele sentimento que mereceria ser escrito em letra maiúscula, ou falado com uma entonação especial. Amooor.Aquele que realmente tira você do rumo.Tira você do chão. Faz você parecer flutuar e que como disse o poeta, “fatalmente lhe fará sofrer”.

Sabe quem foi a primeira pessoa a me confessar nunca ter experimentado tal intensidade de sentimento? Fernanda Montenegro. E antes que você pense mal de mim ou pior ainda dela, foi em um seminário empresarial. Ao responder uma pergunta da platéia, a grande dama do nosso teatro confessou ter interpretado muitas paixões, mas nunca ter se apaixonado de verdade na vida real.Disse amar seu marido, com quem vive há muitos anos, mas que nunca conhecera a paixão arrebatadora.

Somente os longos anos de estudo dos sentimentos humanos poderiam ter dado a ela tamanha clareza.Pois dentre os muitos que nunca viveram um grande amor, poucos têm essa percepção. Não os invejo, pois como disse meu professor de inglês, certa vez no ginásio:

“É o dinheiro que faz o mundo girar, mas é o amor que faz ele valer à pena”.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Olha a federal aí, gente!

Fernando Goldman
Reunião no Rio é sempre uma boa. Ainda mais para Marcelo, carioca convicto, há muitos anos morando em São Paulo.
No início, todo fim de semana vinha ao Rio. Curtia a praia, o visual do mar cercado de montanhas, os velhos amigos, choppinho no bar, paquera e o jeito de ser dos cariocas.
Logo, começou a ter amigos por lá também e, afinal de contas, nem todo fim de semana é de sol. Vai daí, começou a vir ao Rio só duas vezes por mês, depois só uma vez e quando viu, era um turista.
Tem coisa melhor do que ser turista no Rio? Resolveu agir como um deles. Reunião marcada, chegou no dia anterior para não correr riscos com engarrafamentos. Nada de subúrbio, onde morara. Nem as praias da zona sul, Copacabana, Ipanema e Leblon onde tradicionalmente se hospedam os homens de negócios. Hospedou-se, com vista total do mar, na Barra da Tijuca. Hotéis novos e uma fauna muito interessante de gente freqüentando a praia e os bares. Perto do novo escritório do cliente, onde seria a reunião. Nada de engarrafamentos e de quebra, aquele clima meio Miami em plena “pororoca cultural”.
Chegou tarde da noite, mas no dia seguinte cedinho, já estava na praia, na areia, assistindo o lindo espetáculo proporcionado pelo raiar do sol se espalhando no mar. Poder olhar para trás e ainda ver a Pedra da Gávea, sem que um paredão de prédios a escondesse, tornavam aquele momento especial para ele. Certamente mais do que para quem desfruta de toda essa vista diariamente.
Apesar de todo o seu crescimento, quando comparada com as praias mais tradicionais do Rio, a Barra ainda é mais natural e fica relativamente vazia àquela hora. Quase não havia gente na praia, principalmente na areia.
Marcelo sentou-se próximo à linha imaginária delimitada pelo alcance da água e ficou curtindo os primeiros raios de sol na areia gelada.
Olhando as ondas e o horizonte, aproveitando aquele momento prazeroso, imaginando se tomaria coragem de entrar no mar. Eis que de repente, olhou para o lado e viu um homem caminhando na sua direção. Tinha mais ou menos a sua idade, usava sunga e carregava embaixo do braço um computador.
Um objeto completamente inesperado! Não uma prancha de surf, como seria natural supor. Nem uma bola e nem mesmo uma caixa de isopor com cervejas ou picolés. O homem se aproximava trazendo debaixo do braço, nada mais, nada menos do que aquilo.
Não, não era um notebook, mas sim um gabinete de computador de mesa, ou seja lá como aquilo se chama. Uma caixa retangular, grande, branca, com aspecto de nova e que tornava o movimento daquele homem, na areia molhada, totalmente desengonçado.
Não havia como Marcelo não olhar. Seis da matina e aquele sujeito andando na areia com um computador e... Espera aí!
- Aquele sujeito não é o Vicente? Perguntou Marcelo para si próprio.
Há muitos anos que ele não via o Vicente, mas o jeito era inconfundível. De vez em quando, durante a adolescência, jogavam bola juntos na rua, lá no subúrbio onde moravam. O “de vez em quando” era porque Marcelo tinha poucas oportunidades, envolvido que andava com os estudos. Já o Vicente passava o dia todo na rua. Depois seus caminhos se separaram. O Vicente, de origem mais humilde, nunca foi mesmo muito chegado aos estudos e trilhou outros caminhos na vida. A última vez que Marcelo soube dele, estava trabalhando como frentista em um posto de gasolina.
As peças que a vida nos prega! Tanto lugar para encontrar o Vicente e ele ali de sunga com um computador debaixo do braço.
Quando Marcelo pensava em se levantar para ir falar com Vicente, viu-o fazer um gesto largo, semelhante ao de um arremessador de discos no atletismo, e lançar seu computador por sobre uma onda que chegava.
- Vicente! Gritou Marcelo.
Para sua surpresa, viu Vicente começar a correr dele.
Vicente correu alguns metros, pálido, quando pareceu ter reconhecido Marcelo.
- E aí? Fala Marcelão! Disse caminhando na direção de Marcelo.
- E aí Vicente? Treinando arremesso de computador a essa hora?
Apertaram as mãos e se abraçaram no cumprimento típico da turma da pelada.
- Que susto você me deu! Quando ouvi meu nome, achei que... Deixa pra lá. Você sumiu. Nunca mais te vi.
- É. Estou morando em São Paulo. E você? Ainda trabalha em posto de gasolina?
- Sim! Sou sócio de uma rede de postos de gasolina, lá no subúrbio.
- Huuum! E mora por aqui ou chegou cedo para treinar arremesso de computador?
- Moro logo alí, em um apartamento com vista total para o mar.
- Legal ! Sinal de que o trabalho te recompensou. Fico realmente feliz por você. Mas..., não repara a insistência. Que história é essa de jogar computador no mar?
- Hã rapaz! Você viu ontem na TV, o último jornal da noite? Nem consegui dormir por causa daquilo.
­- Não! Não vi não. Cheguei muito tarde e fui direto dormir.
- Pois é. A Federal invadiu a casa de um graúdo, aqui perto, e levaram o computador dele.
- Graúdo é? De posto de gasolina?
- Não, diretor de uma estatal, sei lá.
- Bom, e aí? O que tem uma coisa a ver com a outra?
- Sei lá malandro. Eu nunca precisei de computador. Nem sei usar direito esse troço. Todo mundo me enchendo o saco que eu não tinha computador. Comprei esse faz uma semana. Um garoto instalou lá em casa e não parei mais de receber mensagens. Agora, te digo uma coisa: A Federal pode até me pegar, mas não vão levar meu computador.
Marcelo, meio boquiaberto, só conseguiu balbuciar:
- É. Talvez faça algum sentido.
Achou melhor não perguntar mais nada e dizer que estava atrasado para se arrumar para a reunião. Vai que a Federal chega ali naquela hora?

terça-feira, 8 de abril de 2008

A Assembléia

Fernando Goldman
O jogo ia começar. Não sendo vascaíno,nem botafoguense, confesso ter entrado na onda do milésimo gol. Não acho justo e não gostaria de ver o baixinho ficar conhecido como “Charitas-Castelo”, ou seja , nove-nove-nove.
Times entrando em campo e o interfone tocando para me avisar já estar começando a reunião de condomínio. Eu nunca gostei de ir a essas assembléias. Imagino só gostar delas um demente. Por outro lado, era uma boa oportunidade de começar a conhecer alguns de meus novos vizinhos,pois mudei há apenas duas semanas. Havia ainda o pedido especial do simpático síndico, para eu não deixar de comparecer.
Bem,o jeito hoje era torcer para só sair gol no segundo tempo. Quarenta e cinco minutos me pareciam suficientes para uma primeira participação em assembléia.
Saí no corredor, esperei o elevador, desci dezesseis andares, operação que não consumiu mais do que cinco minutos e quando passei pelo porteiro, que até então me parecera muito sério, perguntei-lhe assim só por perguntar:
- O jogo já começou?
- Está dois a um, doutor . Respondeu ele.
- Estou perguntando o Vasco e Botafogo.
- Pois então,está dois a um.
Não conhecia ainda muito bem o porteiro, imaginei ser ele meio “matusquela”.Se o jogo mal havia começado, como poderia já estar dois a um? Resolvi não esticar muito o papo. Quando cheguei, a assembléia, está sim, já havia começado.
Como é comum nessas reuniões, apenas algo em torno de dez por cento dos moradores estavam presentes. O síndico apontou-me uma cadeira vazia ao seu lado,na qual me sentei. No centro da sala, um homem com ar de muito sério,explicava aos demais condôminos, terem as contas do síndico, do último exercício, sido detalhada e metodicamente examinadas pelo conselho fiscal, nada havendo de errado, sendo portanto o parecer pela aprovação das mesmas.
Pensei comigo mesmo. Essa vai ser rápida e assembléia de condomínio quanto mais rápida, melhor. Afinal, talvez nenhum outro evento que reúna pessoas tem a capacidade de retratar tão bem as mazelas da nossa sociedade. E quanto melhor o padrão do prédio, pior a situação. Como imaginar que uma amostra colhida ao acaso, daquilo que um amigo meu chama de “Pororoca Cultural”,ou seja, nossa sociedade, possa resultar em algo produtivo?
Aquela, tudo indicava, ia bem. Parecer favorável do conselho, todo mundo com cara de quem quer acabar rápido aquele tormento e ir ver o jogo, presidente da mesa já computando os votos pela aprovação das contas e eis que uma senhora, pediu a palavra. Um frio percorreu a minha espinha.Um pressentimento me dizia que não deviam dar a palavra a ela.
- Por que nos mês de dezembro, o pró-labore do síndico tem valor dobrado?
Um silêncio abismal tomou conta da sala. Comecei a temer pelo segundo-tempo do jogo. O tempo passava, uns se coçavam, outros olhavam a planilha de prestação de contas. Até o homem que minutos atrás falava com tanta propriedade em detalhes e métodos, agora estava mudo, parecia apalermado. Eu queria tanto tirar-nos daquele desconfortável impasse. Falei meio sem pensar:
- Gente, eu imagino que deva ser o décimo-terceiro.
Não lembro de nenhum outro momento em minha vida ter conquistado tamanha unanimidade. Todos na sala, apontaram o dedo para mim e para o síndico e perguntaram em uníssono:
- Onde já se viu décimo-terceiro salário a título de pró-labore?
Decididamente, eu não havia começado bem. O síndico tomou a palavra:
- Ora, se todos os funcionários ganharam décimo-terceiro, por que não eu,como acaba de defender nosso novo vizinho.
Eu até tentei explicar não estar defendendo coisa alguma. Minha intenção era apenas achar uma explicação e voltar para frente da televisão o mais rápido possível. Não houve jeito de explicar, a confusão estava instaurada e todos falavam ao mesmo tempo. Um baixinho subiu numa cadeira e disse com grande saber jurídico:
- Se o síndico ganha décimo-terceiro, é funcionário. Tem direito a férias.
Serenados os ânimos, uma outra senhora, a qual eu já havia visto várias vezes conversando com o síndico, fez uma proposta que eu imaginei ser uma espécie de piada. Consistia em a partir de agora diluir o valor do décimo-terceiro nos próximos doze meses , de modo que não fosse necessário pagar um décimo-terceiro pró-labore ao síndico no próximo ano. Eu até estava me preparando para rir da piada, quando a confusão recomeçou. A proposta dela era a sério.
Enquanto todos se engalfinhavam, vi o porteiro indo até o bebedor. Aproveitei para me aproximar dele e perguntei:
- Quanto está o jogo?
- Quatro a três, me respondeu ele.
- Acabou? Perguntei atônito.
- Não, está no primeiro tempo.
Percebi que dele eu não ia conseguir nenhuma informação séria. O jeito era tentar acabar com a reunião.
- Minha gente! Se a assembléia é para aprovação de contas e nós já descobrimos que há um erro nas contas, por que não reprová-las e acabar com isso.
O síndico me olhou com se eu fosse Judas em pessoa.
O presidente da mesa propôs a votação. Todos se sentaram, mas o síndico mudou de lugar. O presidente explicou então haver três possibilidades de voto.”Aprovação das Contas”, “Aprovação com Ressalva” e “Não Aprovação”. Como eu era o mais próximo da mesa, iniciei à votação:
- Não aprovo.
Houve novo silêncio e eu me senti olhado por todos. Após alguns longos segundos, o presidente continuou a colher os votos dos presentes. Um a um, sem exceção:
- Aprovo com ressalva.
Até a senhora que havia feito a pergunta, detonando toda aquela confusão, votou pela aprovação com ressalva. Em resumo,eu fui o único a votar pela não aprovação das contas. O presidente considerou as contas “Aprovadas com Ressalva”, seja lá o que isso possa querer dizer, e deu por encerrada a reunião.
O síndico embolsou o tal do décimo-terceiro e eu fiquei como vilão da história.Todos se cumprimentaram, mas não a mim, e fomos todos embora.
Sei lá quando o Romário vai fazer o gol 1000. Sei que nunca mais eu volto numa assembléia de condomínio.

domingo, 6 de abril de 2008

O que buscam as mulheres ?

Fernando Goldman

O sinal fechou quando meu carro ia passar.
Parado na Venceslau Brás, fiquei olhando o muro branco do Iate Clube, do outro lado da rua, bem à minha frente. Eis que passa ante meus olhos uma “Mulher Apaixonada”.
Sim! Só podia ser. Ares de deusa pagã, impressionando pela simplicidade, alegria, beleza e naturalidade, visíveis até ao mais distraído observador. Eu, por exemplo.
Certamente era uma mulher de poucas posses, mas brilhava.Não precisava dos recursos usados pelas modernas executivas para disfarçar o estresse.
Não! Usava um vestido de chita, nem curto nem longo, bege com estampado bem discreto, possivelmente comprado em alguma casa popular.
A roupa, sem modelagem muito elaborada, sem os adereços usuais, não pretendia realçar seu belo e rijo corpo jovem moreno, mas realçava. Não fazia a menor questão de chamar atenção de quem quer que fosse, mas chamava.
Não estava produzida. Usava sandálias baixas e apesar disso era possível notar a musculatura de suas pernas, como se estivessem em saltos desses bem altos e provocantes. Percebia-se uma naturalidade no andar, uma feminilidade ,uma graciosidade, uma espontaneidade de quem está pronta para um grande salto e anda pela calçada sem se importar com o resto do mundo. Afinal, as mulheres apaixonadas não se preocupam mesmo com o resto do mundo.
Só então me dei conta de que ela carregava, à frente do corpo, apoiado nas duas mãos, algo como um prato de comida, coberto por um outro prato, ambos embrulhados em um guardanapo branco. Um arranjo típico de quem leva uma refeição para um trabalhador. Uma espécie de marmita, levada por ela como se fosse um símbolo.
Só olhá-la de longe era um prazer para o espírito. Quando começava a querer imaginar como seria estar perto dela, tive um sobressalto, pois percebi, caminhando na sua direção, um homem pardo, de macacão, rosto com a barba por fazer,com toda a pinta de quem acabou de sair de uma oficina mecânica, parecendo não querer se desviar dela. Tive ímpetos de defendê-la, de buzinar , de gritar, de fazer qualquer coisa para impedir sua aproximação. Foi então que pude vê-la entregando-lhe a tal marmita, e os dois trocaram um longo e apaixonado beijo.
Confesso ter ficado pensando na felicidade tão simples daquele casal humilde durante todo o resto do dia. Inveja?Não.Curiosidade. Instinto investigativo. O que tornava tão mágico aquele momento para aqueles dois? O que tornou tão mágico aquele momento para mim, mero observador.
Por que tantos casamentos , dentro de tanto conforto material se desfazem, e, no entanto, a simples entrega de uma marmita poderia estar coberta de tanta ternura? Se são casados? Não sei e pouco importa.O fato é, em um minuto, todos os meus pensamentos e divagações sumiram, em troca de um dos mais belos espetáculos da natureza: uma mulher apaixonada.
E como tem sido difícil vê-las apaixonadas. Talvez em comerciais de TV ainda existem algumas. Aqui fora, estão embrutecidas. Andam presas numa das maiores confusões conceituais de nossa era. Mesmo as que em determinado momento se dedicam à sedução, fazem-no de uma forma cada vez mais distante da entrega emocional.
O mundo mudou, a sociedade mudou, mas elas ou pensam no trabalho, ou nos filhos, ou na casa, ou ainda pensam que casar é seu objetivo, nem que seja para separar. Que pena!
Mulheres apaixonem-se!