sábado, 2 de fevereiro de 2008

A paquera

Fabio Bastos

Ao entrar no bar do hotel em São Paulo, Julio não imaginava que estaria entrando também numa nova vida. Era o melhor momento do dia para ele, a hora do encontro com o velho amigo Johnnie Walker. Enquanto o barman o servia, deu uma olhada no local. Notou uma mulher, jovem, bonita e bem vestida, sentada sozinha numa mesa. Sorriu para ela e a cumprimentou com o copo de whisky. A mulher retribuiu o cumprimento com um sorriso e com o copo do colorido e enfeitado coquetel de frutas que bebia.
- Eu sou Julio, carioca, e detesto beber sozinho. Posso me sentar aí com você?
- Fique à vontade - ela respondeu mantendo o sorriso - Eu sou Renata, paulista, e estou esperando uma amiga para jantar.
Após a breve apresentação eles engrenaram uma animada conversa enquanto bebiam. Pouco depois Renata recebeu uma ligação no celular; ouviu mais do que falou e ao desligar comentou:
- Levei um bolo, a minha amiga não vem mais.
- Hoje pode ser o meu dia de sorte. Eu ia jantar sozinho, o que é pior do que beber sozinho. Já que somos dois abandonados, que tal jantarmos juntos? - disse Julio aproveitando a oportunidade inesperada.
Ela aceitou e eles saíram para jantar num restaurante italiano. Um jantar a luz de velas, pratos sofisticados regados com um tinto importado e um piano suave ao fundo. Enfeitiçado pelo ambiente, pela beleza e jovialidade de Renata, Julio sonhava acordado enquanto conversavam. Queria tocá-la, abraçar aquele corpo jovem, acariciar seus cabelos, sentir o perfume daquela pele lisa e macia, beijar os lábios sensuais. Renata parece que leu o pensamento dele e o ajudou.
- Julio, eu tenho uma coisa para te contar. Eu sou uma garota de programa. Se você quiser continuar a conversa depois daqui, eu estou à sua disposição.
Uma ducha de água fria caiu bruscamente sobre o ego machista de Julio. O encanto da paquera se desfez como uma bolha de sabão que estoura e some no ar. De um momento para o outro os papéis se inverteram, Renata deixou de ser caça para ser caçadora.
- Quem te ligou lá no bar foi mesmo a tua amiga? - Julio perguntou recolhendo o sorriso.
- Não - Renata respondeu colocando a mão em cima da dele - Foi o barman, mas você não vai ficar chateado comigo por causa disso, vai? Eu só saio com pessoas que me atraem e você é uma delas. Você não está interessado em ficar comigo?
Continuou com a mão sobre a dele, sabia que o contato físico era importante naquele momento, nem que fosse um simples carinho na mão. O peixe estava mordendo a isca e precisava de um incentivo.
- Você ainda não me disse o seu preço - Julio comentou sério, deixando a mão dela onde estava.
- Essa é a parte chata do meu trabalho e eu deixo por sua conta. Amanhã você me dá o que achar que eu mereço - Renata passou a acariciar a mão dele.
Julio não resistiu por muito tempo e engoliu a isca. Estava fisgado. Após o jantar voltaram para o hotel e Renata mostrou do que era capaz.
Aos 40 anos Julio estava preso a um casamento fracassado, já não se entendia com a mulher há algum tempo e mal se falavam. Ela não pôde ter filhos, o que foi uma frustração para o casal e contribuiu para deteriorar o relacionamento. Na vida profissional também estava insatisfeito, era uma vítima do golpe do baú. Trabalhava e ocupava um bom cargo na empresa do sogro, morava no apartamento dele e até o carro que usava era da firma.
Acomodado no casamento e no emprego, e sem motivação para jogar tudo para o alto, a vida dele mudou depois de conhecer Renata. Ficara escravo da beleza e da juventude dela, quase vinte anos mais nova do que ele. Era um homem feliz quando a encontrava em São Paulo, mas vivia em conflito. Se por um lado estava apaixonado, por outro a rejeitava por ela ser uma garota de programa.
A paixão era correspondida. Renata parou de aceitar “doações” pelos serviços e esperava ansiosa pela visita semanal. Julio era o homem maduro, bem sucedido na vida e carente de afeto com quem sempre sonhara. Passaram a sair juntos na noite paulistana. Debaixo dos lençóis trocavam carícias e confidências, a cama se transformou no divã do analista. Julio foi o primeiro a desabafar e depois foi a vez Renata contar sua história, uma história triste como a de qualquer puta. Eram dois carentes querendo mudar de vida.
Julio tomou a iniciativa e resolveu ajudar Renata. O primeiro passo foi afastá-la da amiga com quem morava e a levara para a prostituição. Alugou um apartamento para ela e comprou móveis, eletrodomésticos, louça, roupas de cama, etc. Mobiliou com o que havia do bom e do melhor. Renata escolhia e Julio pagava, a felicidade dela não tinha preço. Com todas essas despesas, ficou com as finanças seriamente abaladas e se endividou com bancos e cartões de crédito.
Renata fez a parte dela, arranjou emprego numa loja e voltou ao nome de batismo de Denise. Julio só não era completamente feliz porque o fato de ela ter sido garota de programa ainda não havia sido totalmente superado. A superação veio numa noite de amor, quando ela declarou que queria ter um filho dele. Era a motivação que faltava para Julio tomar a decisão de se separar e recomeçar a vida com Denise. O amor, finalmente, vencera o preconceito. Para celebrar aquele momento feliz, a presenteou com um carro, endividando-se um pouco mais. Denise retribuiu e naquela noite, no aconchegante e bem decorado ninho de amor, voltou a ser “Renata”.
Na manhã seguinte Julio viajou para o Rio, prometendo que voltaria com novidades. Estava disposto a começar vida nova. No sábado avisou para a mulher que queria se separar, fez as malas e foi para um hotel. Não precisou esperar pela segunda-feira para saber sua situação na empresa. No domingo foi despedido pelo telefone por um sogro furioso. Não se importou e, de certa forma, ficou aliviado. Denise era a única coisa que importava. Pensou em ligar para ela e contar a novidade, mas desistiu, queria dar a notícia pessoalmente, para curtirem juntos aquele momento feliz.
Na segunda-feira à tarde embarcou para São Paulo, com passagem só de ida. Viajou desempregado e endividado, mas feliz e livre como nunca. Era um homem apaixonado que voava para uma nova vida ao lado da mulher amada e do filho que iriam encomendar. Comprou uma caixa de bombons no aeroporto para presenteá-la no momento de dar a notícia. No táxi, a caminho do seu novo lar, sonhava com o momento de se jogar nos braços de Denise e lhe contar tudo. Ao abrir a porta do apartamento, um calafrio percorreu o seu corpo.
Não havia absolutamente nada dentro. Nada! Sala, quarto, cozinha e banheiro vazios. Denise, Renata, ou quem quer que ela fosse, tinha levado tudo que eles haviam comprado, só deixou pregos nas paredes nuas. O ninho de amor estava desfeito e com ele o sonho de uma nova vida. Sem saber o que pensar, com a mala numa mão e a caixa de bombons na outra, bateu na porta do apartamento ao lado.
-O que aconteceu? - perguntou para a vizinha, uma velha fofoqueira que sabia de tudo que se passava no prédio.
- O que aconteceu, meu filho, é que no sábado veio um caminhão de mudanças e levou tudo embora. A Denise acompanhou a mudança ao lado do rapaz que freqüentava o apartamento nos fins de semana. Eles foram embora e nem se despediram de mim - ela respondeu com um sorriso sarcástico no rosto.
Julio deu a caixa de bombons para a vizinha e se trancou no apartamento vazio. Sentou na mala, colocou a cabeça entre as pernas e chorou.

2 comentários:

Paulo Borchert disse...

Fabio,
O Julio de sua crônica podia procurar o Manoel da crônica da Theresinha, pois chorariam as mesmas mágoas juntos...
Nelson Rodrigues "rides again" !

Maria Teresa disse...

Fábio... Fábio...
Sem querer dar uma de Novaes, que confundiu um texto meu com o da Regina Paranhos, este teu está mais para Marta Medeiros. ADOREI!
Parabéns!