sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Florença

Therezinha Mello

Depois que me aposentei abri um leque interminável de opções, algumas de lazer, outras de trabalho e em nenhuma delas incluí um chefe ou um horário determinado. Era importante que me sentisse livre. Um dia me chegaram umas fotos da cidade de Florença, na Itália. Eram recantos dos sonhos, que com os jogos de luz do bom fotógrafo, tornavam-se urgentes. Era preciso conhecê-los logo.

Aquelas fotos me convidaram a lá estar pelas ladeiras estreitas, lançando o olhar ao longe para a histórica cidade, como se ela estivesse aguardando por mim ao longo dos séculos, desejando acolher meu perambular solitário, minha admiração, meu êxtase. As imagens não me saíram mais da cabeça e perseguiram-me como num jogo de esconde-esconde, onde quer que estivesse.

Um dia decidi. Resolvi comprar a passagem e ir a Florença sozinha. Isso representava um verdadeiro terremoto existencial. Eu jamais tomara uma atitude parecida antes e deixar o Rio de Janeiro num avião para a Itália, contando com a companhia que casualmente a empresa aérea colocasse na poltrona ao meu lado, era inimaginável.

Comecei como a maioria das pessoas, por uma agência de viagens, por folhetos coloridos, orçamentos possíveis, à vista, parcelados, com direito a isso, sem direito àquilo, com guia, sem guia, em hotel assim ou assado. Usei o pouco do bom senso que ainda guardava comigo para qualquer emergência e me decidi por um pacote de quinze dias, um hotelzinho simples e o direito a uma guia local, que eu poderia acionar, se quisesse.

A dificuldade com a língua me preocupava um pouco, mas eu não queria de modo nenhum andar em Florença o tempo todo com alguém a tiracolo. O encontro que tinha marcado era comigo e com aquelas fachadas, aqueles cafés e aquelas noites que falavam de um tempo remoto. Pela primeira vez na vida eu sabia que poderia ser uma excelente companhia para mim mesma.

Na hora do embarque, a boca seca denunciava minha apreensão diante de mim mesma, da minha coragem, do meu topete diante da vida. Acomodei-me na poltrona do avião junto ao corredor. Ao meu lado, ninguém, a princípio. E a poltrona ficou vazia mesmo durante todo o vôo. Surpreendentemente eu mantinha uma estranha calma.

O avião decolou e eu dormi depois do jantar. Acordei bem, muitas horas depois. Quando cheguei em Florença e disse “-Bom giorno!” ao motorista do táxi, eu sentia muito frio e uma emoção forte no peito. Olhei para mim mesma e chorei, sentindo que renascia ali, naquele instante e de alguma forma tão nova, que não consigo descrever.

2 comentários:

Carlos Melo disse...

Vou agora mesmo procurar fotos de Florença da internet. Quem sabe, também serei arrebatado pelas belezas da cidade e passarei o Carnaval por lá (rsrsrsrs). Bem bolada a maneira de encontar-se consigo mesma. Parabéns !!!

Maria Teresa disse...

GENIAL!
Já me senti assim algumas vezes e está perfeita!
É, com certeza, uma crônica com a sua marca.
PARABÉNS!
Maria Teresa