terça-feira, 13 de julho de 2010

Não Rias de Mim, Argentina!

Não Rias de Mim, Argentina!

Quando descobri que as milhas do programa da companhia aérea estavam prestes a expirar, corri para a Internet. Aproveitei assim a última chance de viajar de graça para Buenos Aires nas férias de julho.

Os meses foram passando até que me deparei com a tabela de jogos da Copa do Mundo publicada no jornal. Imediatamente passei a fuçar os dias dos jogos do Brasil, já pensando nos pontos facultativos.

Foi quando me dei conta de que um possível jogo da seleção nas quartas de final coincidiria com o horário do meu vôo para a Argentina.

Cada um tem lá a sua relação com o futebol. Eu sou daqueles que dizem que não liga muito, mas acompanha diariamente o noticiário esportivo, conversa sobre o assunto com conhecidos e desconhecidos, e, para mostrar bem a intensidade da paixão, tem a nítida convicção de que seu time atua pior quando não pode vê-lo jogar.

Numa partida do Brasil na Copa do Mundo, a expectativa de não poder dar instruções aos jogadores, orientações ao treinador, e, acima de tudo, endereçar pesadas críticas ao árbitro, era desoladora.

Tentei primeiro adiar a passagem, mas como era bônus de programa de fidelidade, não foi possível.

Depois que a Copa começou, cheguei a torcer para o Brasil se classificar em segundo lugar no grupo, não jogando, na seqüência, no dia do meu vôo.

Quando constatei que isto importaria em ter que enfrentar adversários do porte de Espanha, Alemanha, Argentina, tratei logo de mudar de idéia.

O fato é que o Brasil foi avançando na competição, e a Holanda nos esperava nas quartas de final.

Ao chegar ao Aeroporto, torci, pela primeira vez na vida, para o vôo atrasar. De nada adiantou, estava eu a 10 mil metros de altura, isolado do mundo, quando a bola começou a rolar.

Procurei me distrair lendo o noticiário da seleção para ter a impressão de que a partida ainda não havia se iniciado.

Quando chegou o lanche, não resisti, e perguntei à comissária sobre o jogo.

Embora o avião estivesse lotado, só eu fiz a pergunta, o que me despertou a forte suspeita de que os demais passageiros eram extraterrestres. A aeromoça foi até a cabine, e voltou com a informação de que o Brasil vencia por 1x0.

A vitória parcial me tranqüilizou, e nada mais me foi dito para aplacar a ansiedade, apesar das insistentes solicitações. O desespero era tanto que cheguei a sentir saudade da voz do Galvão Bueno. Uma eternidade depois, me passa outro comissário informando que a seleção perdia de 2x1, faltando um minuto para terminar a partida.

A primeira reação foi achar que era trote. Vai ver o cara estava fulo da vida por estar trabalhando na hora do jogo, e resolveu descontar em cima dos causadores do dissabor.

Infelizmente não era. Desembarcamos na Argentina com o Brasil eliminado.

Tive a impressão de que os funcionários do aeroporto nos recebiam com um sorriso zombeteiro.

A suspeita se confirmou quando o motorista que me levou ao hotel fez questão de contar em detalhes como foi a partida, dedicando especial atenção à atitude animalesca de um jogador brasileiro expulso por pisar num adversário.

Alguns eram muy amables, como o porteiro do hotel que lamentou não poder nos enfrentar na final.

A televisão não parava de exibir a imagem de um jogador brasileiro chorando ao deixar o gramado, ao fundo tocando o trecho de música “ tristeza não tem fim, felicidade sim...”

Buenos Aires estava infestada de brasileiros que, como eu, passaram o dia sendo vítimas das zombarias portenhas.

Nosotros brasileiros, quando zoados em público, apenas nos entreolhávamos, confortados em saber que a parada deles no dia seguinte seria duríssima.

Iam enfrentar nada menos que a Alemanha, e, como jocosamente definiu o ex-jogador inglês Lineker: futebol é o esporte no qual 22 homens correm atrás de uma bola, e os alemães ganham no final.

Foi tanta encarnação que resolvi secá-los infiltrado na Plaza Martin, onde milhares de argentinos, com a indefectível albiceleste, se reuniam diante de um enorme telão.

Logo nos primeiros minutos de jogo, uma verdadeira Blitzkrieg fez com que a Alemanha abrisse o placar. Os hinchas argentinos começaram a murchar.

No segundo tempo, a derrota acachapante foi se desenhando.

A cada gol alemão, uma quantidade maior de torcedores cabisbaixos ia abandonando a praça, e eu ali, assistindo com satisfação a missa de corpo presente.

Terminado o jogo, o placar de 4 a 0 refletiu a contundente atuação dos alemanes. O inimigo foi obrigado a se render incondicionalmente.

Fui caminhando para o hotel seguindo o cortejo silencioso dos hermanos por uma rua de pedestres.

Era chegada a hora do requinte de crueldade. Entrei numa loja de material esportivo, apontei para o cabide repleto de albicelestes, e disparei em portunhol para o vendedor:

- Djá batcharam los precios de las camissas de Arrentina?

Nem esperei a resposta, deixei a loja de alma lavada lembrando que, tristeza por tristeza, não faltariam tangos para a televisão argentina escolher como fundo musical.

Arthur Narciso – julho de 2010 - www.ideiasflutuantes.blig.ig.com.br

quinta-feira, 18 de março de 2010

Nada a Dizer

Therezinha Mello


O jornal Folha de São Paulo publicou tirinhas em branco no último sábado. O vazio de histórias, tocante e definitivo, falou por Angeli, Laerte e demais cartunistas. Todos companheiros de Glauco, que sempre têm o que nos dizer sobre o cotidiano, em traços e estilos próprios, poucas palavras e alguma cor. A morte do amigo, no entanto, deixou o silêncio que não souberam justificar nem preencher.

Os personagens de Glauco, sempre com muitos braços, eram capazes de executar gestos variados e simultâneos, em multiplicidade irreverente. Até que algum fator surpresa, contundente como a queda de um ferro de passar, interrompesse o caminhar esperado dos acontecimentos. Glauco era cartunista, compositor, líder religioso, palhaço, cronista. Criança multifacetada. Livre.

Dona Marta, a secretária encalhada, o Casal Neuras, Geraldinho, viciado em refrigerante, televisão e sorvete. Seringas com vida própria. Edmar Bregman, uma câmera na cabeça e uma ideia na mão. Sua obra era um conjunto crítico, provando que humor é sempre contra. Divertidamente contra. Louco e irreverente. O assassinato de Glauco calou a todos nós, de espanto, susto e indignação. Tornou-nos tirinhas em branco. Respeitosas e mudas. Tristes e ocas. Sem braços.

Uma jornalista lembrou a visita que fez há tempos, com o quadrinista, a um alto executivo bem sucedido. Gestos previsíveis, cabelo certinho, terno, gravata e mesa impecáveis. Ao deixarem o escritório, Glauco com seu jeito livre, despenteado, jeans gastos, camiseta, teria comentado sobre o empresário: “ – Mas tem cada gente doida neste mundo, não é não? ”.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

O que é aquilo no céu?

Therezinha Mello


Desde criança, sempre admirei o Super-Homem. Pela TV em preto e branco, aqueles velhos episódios me faziam vibrar. Nos momentos de maior aflição, o repórter Clark Kent tirava os óculos decidido. Era o sinal infalível que todos aguardavam. Certo de que ninguém o observava, corria até a cabine telefônica mais próxima e dali saía em frações de segundo. Clark Kent? Não, o Super-Homem. Pequena corrida: o impulso inicial. Logo ganhava altitude. Durante o voo, rápidas olhadelas à cidade que ao longe se apequenava, à espera de socorro aos justos e castigo aos perversos. Depois do murro definitivo, da prisão dos bandidos, recompensa final: o olhar apaixonado e doce de Louis Lane.

Clark Kent era sua segunda vida. O antagonismo daquela manifestação de bravura e força. Diluído entre os normais, viabilizava-se como herói e cúmplice de si mesmo. Valorizava os poderes do Super-Homem, sendo o seu avesso. Desaparecendo nos momentos mais acirrados do conflito, surgindo invariavelmente depois de tudo terminado, o repórter era um sujeito comum e humano. Louis Lane denunciava a fraqueza de Clark na comparação cruel, mas era através dele que o herói podia perceber o momento exato de agir. O trivial convivia com o heroico. Clark, em sua simplicidade, mostrava-se pouco atraente para Louis Lane. Sem o glamour, reduzia-se ao medíocre. Como se ambos - glamour e mediocridade – não costumassem conviver nos indivíduos comuns, desses que não sabem voar. A dualidade, ironicamente, evidencia-se como um traço tipicamente humano.

Posso dizer que cresci acreditando nessa ideia. Que, no instante preciso, haveria de surgir, de mim mesma ou de qualquer outro lugar, um ser excepcionalmente forte, justo e bom, disposto a me tirar de apertos e perigos. E que, para admiração geral, ele seria ainda mais veloz do que a bala de um revólver. Imaginava que finais felizes eram apenas uma questão de determinação, inteligência e generosidade. E, mais que isso, aqueles episódios me faziam ingenuamente acreditar que podemos controlar o que nos acontece. Que os desacertos acabam por entrar nos eixos, ainda que não se tenha à mão a capa vermelha que nos permite voar.

Mais adiante, já muito longe do sofá da sala e sem saber por onde andava minha antiga TV, olhei o mundo e acabei também por achá-lo bem pequeno. Miúdo e mesquinho. Esmurrei heroicamente inimigos e desesperos. Levei amores a nocaute. E dores, empurrei-as em penhascos, sobrevoando-lhes, mais tarde, os destroços. Recolhendo-me, depois, anônima, à regularidade dos dias, guardei discreta e cautelosamente as façanhas do extraordinário e das paixões quixotescas. Misturada à multidão tornei-me antagonista de mim mesma, sem entender exatamente o rumo de meus voos e a razão dos espantos.

Confesso que muitas vezes olhando o céu, tenho o desejo infantil de enxergar meu herói. Como quem espera socorro aos justos e castigo aos perversos. E acabo me perguntando: “-O que é aquilo no céu? É um pássaro? É um avião?”. Não. Já é tarde. Sigo em silencio disfarçado. Mas, que diabo! Podia jurar que era o Super–Homem. Durante o voo, rápidas olhadelas à cidade. Desde criança, sempre o admirei. Aqueles velhos episódios me faziam vibrar.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Ao Leitor

Therezinha Mello

Brás Cubas, meu caro defunto autor, sou uma de suas leitoras. Uma “alma sensível”, se prefere assim. Vá lá! Chove há dias no Rio de Janeiro. O mau tempo me fez lembrar a “chuvinha triste e constante” do dia de sua morte. Acabei aqui, mergulhada na “bergère” da sala, com uma bela edição das “Memórias Póstumas” nas mãos. Este, sempre será para mim um exemplar único. Mas, saiba, custou-me bem mais que os duzentos réis que você previu. Posso me considerar uma “bibliômana”. Como naquele capítulo quase suprimido: o setenta e dois. E ponho-me a folheá-lo bem do jeito que você imaginou: “devagar, com amor, aos goles...”.

Esbarrei na sua dedicatória ao verme. Àquele que primeiro lhe roesse “as frias carnes” do cadáver. Nada mau para quem decidiu começar as memórias, não pelo princípio, mas pelo fim. Você confessou seu especial gosto pelos epitáfios. Eu admito um particular fascínio por dedicatórias. Tanto assim que, na página seguinte, outra me seduziu imediatamente: é dirigida “Ao Leitor”. Senti-me contemplada. E estou à vontade para lhe dizer que dispensei o piparote. Pague-se da tarefa, porque a obra me agrada. E muito. Talvez eu não esteja entre os seus finos leitores. Conformo-me de estar entre os fiéis. Entre os fiéis e críticos. Pronto. Estaria certamente entre os cinco, se os seus temores tivessem fundamento: “se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinqüenta, nem vinte, e quando muito dez. Dez? Talvez cinco.”.

A expectativa em relação aos leitores é um sentimento comum no escritor. Mas sua conta chegou a cinco! Modéstia? Ironia? Ou seria a “sede da nomeada”? Eu acho que você queria o “amor da glória”. Sim senhor! Já imaginava que, mesmo agora, um século depois, ainda teria muita gente se perguntando que idéia foi aquela de inventar um emplasto anti-hipocondríaco. Melhor ainda, o Emplasto Brás Cubas! E a certa altura me pede para decidir entre o seu tio cônego que defendia a “glória eterna” e outro, oficial, adepto do “amor da glória”. E me dá as costas, voltando ao emplasto! Pois não me interessaram os seus tios. Voltei ao emplasto junto com você. À idéia que fazia malabarismos no seu cérebro. Cabriolas.

Mas, devo lhe dizer. Eu fui, entre as que leram suas memórias, uma das que tremeram por Eugênia. Ela merecia melhor sorte. E o amava, com rara sinceridade. Mas, como são insensíveis os homens! Você teria se deixado ficar a vida inteira no Alto da Tijuca, não fosse a coitada “coxa de nascença”. Confesso que acreditei nas suas boas intenções enquanto você divagava: “Por que bonita, se coxa? por que coxa, se bonita?”. Bendisse aquela “borboleta preta” que lhe “adejava o cérebro”. Mas, cruel como todos, você desceu a Floresta da Tijuca deixando sua “Vênus Manca”. Ela que se entendesse com a idéia fixa de se casar com o jovem Brás, não é? Mas, para meu consolo, você também disse que não há nada suficientemente fixo neste mundo. E não há mesmo. Não há. Só não lhe chamei de cínico. Engano seu. Concordo quando diz que foi, apenas, homem. E os homens são assim. Insensíveis. Foi isso o que eu pensei. “Pela coxa de Diana!”. Você foi insensível.

Muito do que li em suas Memórias, só agora posso de fato compreender. É que hoje tenho sessenta e quatro anos “rijos e prósperos” como eram os seus, quando seguiu para o reino desconhecido de Hamlet. Delicio-me com a sensação que lhe o surpreendeu ao voltar da missa com Eulália, descendo o morro do Livramento. A companhia da jovem provocou-lhe a sensação de rejuvenescer. Começou a caminhada na maturidade, chegou jovem ao final da descida, “deixando aqui dois anos, ali quatro, logo adiante cinco”. Peguei-me a aprender com o amigo defunto, o segredo da vida eterna!

Quisera ser o “espírito profundo e penetrante” que você, generoso, me atribuiu já pelo final das memórias. Apenas procuro decifrar a vida. E aceitar o inesperado. Por isso acabamos nos entendendo tão bem, meu caro. Como imaginar que Virgília lá estaria a chorar a sua morte nos últimos instantes? “De pé, à cabeceira da cama, com os olhos estúpidos, a boca entreaberta”. E que, “do outro lado do mistério”, você ainda escreveria suas memórias para infinitamente mais que cem leitores ?

Suas palavras finais voltam-se para as “negativas”. De fato, acabam sendo, a esta altura da vida, em maior número do que gostaríamos. É certo que a soma dos anos observa-nos sorrateiramente. Não rejuvenescemos: “a rejuvenescência estava na sala, nos cristais, nas luzes, nas sedas, - enfim, nos outros.”. Mas ficou-lhe, como saldo, não ter tido filhos. Não ter transmitido “a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”.

Acomodo-me melhor na bergère, já pensando na miséria humana. E já começo a querer choramingar. Mas Quincas Borba, o nosso filósofo, veio em meu socorro: “- Que diacho!” “a pior filosofia é a do choramingas que se deita à margem do rio para o fim de lastimar o curso incessante das águas.”. O conselho me valeu e muito. Fico com a “pena da galhofa”. Abandono a “tinta da melancolia” e as “rabugens de pessimismo”. Deixo os leitores graves e os frívolos. Fico entre os fiéis. Entre os fiéis e críticos. Pronto.

A Tela

Therezinha Mello

Tive medo de olhar meus próprios olhos na tela. Não choravam. Mas eu chorava. De medo. Desespero. Raiva. Minha angústia de estar viva, ali, estampada. Exigindo resposta urgente. Não podia apagar aquela imagem muda e ameaçadora. Terna e amiga. Braços alongavam-se na minha direção querendo me acolher. O sofá me engolia cada vez mais. Precisava atender ao chamado que não sabia de onde vinha. Ganhei aquele vermute vagabundo do porteiro da noite. Meu estômago doía muito de fome. A comida vinha de um caldeirão imenso. Eu me olhava esperando uma resposta. A vida era mesmo aquele amontoado de perguntas que eu não sabia responder. Quem ligou a TV? Na imagem estou mais jovem. Corte antigo. Louro acobreado. Pintei de louro só pra parecer com aquela cretina. Cabelos alteram a vida da gente. Roupinha feia essa que estou usando. E se desligasse a tomada? A empregada não veio. Tudo estava fora do lugar. Garrafa vazia. Ganhei aquele vermute vagabundo do porteiro da noite. Meu estômago doía de fome. Fugia pelo corredor, escuro e cheirando a mofo. Prédios velhos de Copacabana. Precisava sair dali rápido. Não podia comigo, me olhando o tempo todo. “- Olá Clark Kent!”. “- Tire os óculos!”. Ele tirou mesmo. “– Oi Super-Homem! Me leva daqui!”. Mas apareceu a Lois Lane. Aquela metida. E fiquei a pé na Avenida Rio Branco em dia de passeata. “– O povo. Unido. Jamais será vencido!”. Cinelândia tem telão. Chego afogueada tropeçando no povão. Unido. E vejo minha cara. Exigindo uma resposta. Tive medo de olhar meus próprios olhos na tela.

Estampas com Xadrez

Therezinha Mello

Quero a deselegância das cores descasadas.
E as estampas misturadas com xadrez.
Quero a graça inusitada que não liga pro mundo.
A escolha sem tendência. O tom que combinar com meu humor.

Quero a harmonia atrevida dos desencontros.
E o exagero que agradar meu coração.
Quero a reles pedra falsa e o romantismo das blusas de crochê.
O que não se usa mais. O que se passa adiante.

Quero os mistérios velados das peças esquecidas.
E a ousadia extravagante, fuleira, popular.
Quero arriscar o gosto duvidoso. A imitação barata. Os paetês.
O Lar Doce Lar. O Seja Bem Vindo dos tapetes.

Quero ouvir a canção do bêbado ao garçom do bar.
E a versão banal do sucesso americano.
Quero a flor de plástico.
A folhinha pendurada na parede.

Que encalhem os saldos das vitrines burguesas.
Quero a moda descartada. A coleção passada.
O chique da empregada.
O démodé que escolhi.

Libertem-se os anões pelos jardins !
Que lhes acompanhem Brancas de Neve de cerâmica ordinária. Sapos e cogumelos.
Que cascas de ovo arrematem as espadas de São Jorge.
E que os pingüins ocupem-se das geladeiras.

Quero a deselegância das cores descasadas.
E as estampas misturadas com xadrez.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Ciranda

Therezinha Mello

Na ciranda das primeiras infâncias eu girava. Cirandinha. Tímida. Pés miúdos sobre o cimento do quintal. Tudo era leve e fluido. Experimentava o mundo, em dança que não tinha pressa. Seguia cirandando como se nada mais fosse necessário. Ou urgente. Em meia volta divertida e tonta. Todo retorno era possível àquela altura. Girava a ciranda solta dos corações ingênuos. Meia volta. Volta e meia. Na singeleza do universo de poucas notas e muitas canções.

“- Depois vai ter que falar um verso.”. “- Qual?”. “- O Sou Pequenininha!" “- Esse não. Todo mundo já sabe.”

Todos cirandavam. Quando a mão desgrudou-se da minha, eu nem esperava. O gesto brusco fez quebrar o anel de vidro. O que tu me deste. Meus dedos tatearam entre cacos minúsculos. O desespero de não poder colar. No dedo a marca. O elo que se foi. Ficou-me algo do amor que me tinhas. Que era muito, mas que acabou assim mesmo. O amor que tu me tinhas se acabou. Hoje não uso anel e evito amores. Porque sei que já não vamos todos cirandar.

Na ciranda das novas infâncias, a descoberta de que o giro permanece. Na roda de cada hora a fria constatação. Quem sai. Quem entra. Quem vai embora e nem diz adeus. Nem um verso, mesmo não sendo bem bonito. Nem ciranda, nem cirandinha. Já não há mais tempo para dar a volta. Outras mãos entrelaçaram as suas fortemente. As minhas também já possuem novos pares. Nova ciranda começa. Vamos todos. A dança de hoje tem mais pressa.