sexta-feira, 8 de agosto de 2008

BEETHOVEN RETORNA

Sergio Medina Quintella

[Estou em meu escritório absorto num trabalho. A campainha toca. Com uma certa má vontade vou atender]
[ Abro a porta. Não acredito!!!.É ele mesmo!!!]
-Bom dia “seu” Beethoven. O senhor outra vez?
-É que no plano espiritual esse negócio de tempo não tem tanto valor quanto aqui.
Minha curiosidade cresceu demais e resolvi aparecer. Esse negócio de “ teclado” e “computador” não me deixaram mais em paz. O senhor me dê licença, tenho muito a conversar. Posso entrar?
[De que jeito, penso eu, não tem outro]
- Por favor, entre, de certa forma estou lhe devendo o prometido, mas antes de mais nada, vou lhe dar uma outra roupa porque com essa aí não dá pr’a ficar;
[Trago uma calça jeens, camisa esporte, tênis e cinto. Beethoven não era alto. Seu tamanho aproximava-se do meu]
O senhor pode trocar de roupa aqui neste banheiro. Eu o espero na sala
[Beethoven aparece com a roupa que recebeu,e que lhe emprestou um ar de camelô da Rua Uruguaiana em dia de sol muito quente , cara amarrada como quem foi trabalhar com diarréia e até aquela hora nada tinha vendido]
- Beethoven, vamos para o meu escritório. Lá está o meu teclado. Vamos começar por ele. É um Yamaha PSR-172, um tipo Standard, mas que oferece recursos que dão para fazer alguma coisa.
Inicialmente, peço paciência, pois vou lhe explicar como funciona. Há um mínimo que preciso lhe informar, já que nem eletricidade o senhor sabe o que é;
Bem..., veja, esse fio a gente liga ali. Aquele objeto chama-se “tomada” . Esse botão aqui no teclado, a gente aperta, e pronto: está ligado !!!!. Tá ouvindo esse zunidozinho?.
Veja agora estes três grupos de chaves: Song, Voice e Style.
A primeira contém melodias tradicionais mostrando-as tocadas pelo teclado. A segunda, composta de um conjunto de cem instrumentos numerados de 1 a 100. A terceira chave, Style, como o próprio nome deixa transparecer, estabelece os diferentes ritmos e altera o timbre;
Desse lado esquerdo você aciona o acompanhamento. Veja esse botão “on-off”. Apertando esse botão, você percebe que o instrumento joga um ritmo na melodia;
E agora o fundamental: Além do ritmo, Beethoven, o teclado entra com o acorde e segue a melodia à medida que você a vai dedilhando neste teclado
- Sergio, estou ficando muito nervoso, parece que caminho para um ataque: Não agüento mais de tanta ansiedade. Quero mexer nesse “troço” agora se não vou explodir !;
-Calma “seu Beethoven”, o teclado não vai fugir daqui não. Ao que tudo indica, com a evolução da produção dos instrumentos, assim como a dos costumes que a sociedade absorveu, o senhor deve estar desatualizado. Caso estranhe algum som ou instrumento, tenha calma, procure conhecer a novidade. Quem sabe não estaria se abrindo uma nova fase nas suas composições?
Alguns instrumentos evoluíram na sua tecnologia, outros foram criados. Não se esqueça que o senhor nasceu em Dezembro de 1770 e mesmo a sua morte, em Março de 1827, já está distante, ou seja, há 181 anos.
-Morte não, eu não morri. Eu só faleci. To “vivinho” aqui, não tô?. E não agüento mais, Se me permite, vou sentar no banquinho e você vai me ajudar agora;
-Pois não Beethoven, diga o que quer;
- Antes demais nada, já que não sou mais surdo, quero tocar a Heróica e deliciar-me com seus acordes. Vou tocá-la como se estivesse em 1795 com 25 anos...; Prepara esse teclado para as chaves de gran-piano, harpsichord e vibrato: vou inovar e ver no que dá;
Aqui pr’a nós Sergio, Haydn e Mozart, meus contemporâneos vão pular nos seus túmulos!!!. Aliás tenho saudades do meu mestre Haydn. Com ele, em Viena, passei uma fase de estudos muito proveitosa;
Bem, continuando, quero que prepare esse teclado para a obra toda, ou seja, me dê uma folha de papel mostrando onde estão os metais, as cordas e a percussão;
-Seu “Beethoven” , vamos devagar com o andor porque o santo é de barro...;
- O que está me dizendo? Santo de barro? Andor, o que é isso? Obra sacra?
- Desculpe-me Beethoven, referi-me a um ditado popular aqui no Brasil,não tem nada a ver com essa questão da 9ª Sinfonia;
Acho que não irá conseguir de imediato tocar essa gigantesca obra logo de saída;
Tenho uma sugestão: Você aos 8 anos tocou um concerto para cravo, e aos 10 já dominava praticamente toda a obra de Bach, aproveitando os instrumentos da Capela do Príncipe de Bonn, onde seu pai era tenor e você foi organista-assistente;
Por que não começa com uma peça para cravo, ou mesmo, órgão?;
- Taí, uma boa idéia. Ajuste o teclado inicialmente para clavi ,vou tocar uma peça ligeira para cravo. Depois, quero que faça um ajuste para arpsichord porque vou ver como fica Bach, o João Sebastião, como vocês devem falar...
-Beethoven, nós o chamamos por Johann Sebastian Bach mesmo, ou simplesmente Bach;
[Peço licença , ligo o teclado e a chave clavi . Espectativa total!!!!]
-Pronto, pode começar, o botão de volume é ali à esquerda;
[Um som de cravo inunda o ambiente. Beethoven se entrega por inteiro, ...mas, por ter sido surdo, botou o volume no máximo. Um minuto depois, vizinhos tocaram a campainha..]
- O que houve Sergio? Aconteceu alguma coisa? Você está bem? disse Zenildo, meu vizinho de porta;
- Desculpe gente, o teclado deu um curto no sistema elétrico e disparou....
-Vamos lá, eu conheço alguma coisa, falou Zenildo;
-Nãããããããooooooooooooo!!, eu também tenho alguma idéia, dá licença que eu vou desligar o teclado;
-Beethoven, Beeeeeeethooooooovennnnnn!!!!, pára, pára,...pááááááraaaaaaaa...;
[ Beethoven estava extasiado. Não tive outro jeito,..puxei o fio da tomada e o teclado parou];
A rua está um reboliço, disse, e você Beethoven não pode ficar aqui nem mais um minuto. Dentro de uns segundinhos a polícia vai chegar porque já foi chamada. Aí não garanto mais nada. A mídia aqui é extremamente sensacionalista e não vai deixar por menos,vai colocar a sua foto na primeira página dos jornais e você nunca mais terá sossego.
-A é?. Já tive muitos problemas na minha vida, já agüentei meu sobrinho Karl que praticamente me matou de desgosto, minha amada Giulietta Guicciardi, com seus 17 anos, não entendeu quando lhe compus a Sonata ao Luar. Agora quero paz.
Vou voltar para o plano espiritual, Sergio. Tentarei encontrar meus contemporâneos Mozart e Haydn e lhes contar as novidades;
Mas, prudentemente, os aconselharei a não ressurgir neste planeta. Aqui está tudo muito doido. Até mais ver...como vocês costumam falar....

BEETHOVEN RESSURGE

Sergio Medina Quintella

[Tocam a campainha lá de casa, e eu abro a porta]
[Penso] “Ué, quem é esse cara com cara de alemão e muito parecido com Beethoven”
-Bom dia, o que deseja ?
- Não se assuste, meu nome é Ludwig Van Beethoven. Acabo de ressurgir neste mundo e ,primeiramente, estou admirado de poder me comunicar no seu idioma, e o senhor é a primeira pessoa com quem estou mantendo contato desde que acabei de sofrer o fenômeno da ressurreição;
[Penso] “ Cara,era só essa que me faltava. Esse negócio de ressurreição e ainda por cima com Beethoven...
-Por favor entre, disse-lhe. Em que posso lhe ser útil, apontando para minha varanda.
- Depois desses séculos todos, minha enorme curiosidade acabou por despertar em mim uma vontade de tal ordem que o fenômeno da ressurreição se fez muito naturalmente,mas eu mesmo estou ainda sob forte impacto;
-Quer um café?, falei, tentando ser gentil, mas por dentro,ainda muito desconfiado com esse negócio de ressurreição...., Beethoven....;
-Olhe, senhor, procure se acalmar, eu não represento nenhum perigo, disse o “Beethoven”;
-Tá bom, senhor, aceite este café. Meu nome é Sergio. Não precisa me chamar de senhor;
- Sergio, sei que os tempos mudaram de uma forma extraordinária. Hoje a tecnologia praticamente domina o homem. No meu tempo não era assim. Por isso estou ávido de informações e de conhecimento do mundo atual. Pode falar normalmente porque com a ressurreição, minha surdez passou;
-Senhor, não sei se seria capaz de colocá-lo a par do mundo atual como talvez merecesse em vista da sua respeitável contribuição para a cultura musical da humanidade,mas também não gostaria de deixá-lo sem nada conhecer e sair daqui de casa praticamente como chegou. Estou à sua disposição;
- Sergio, minha carreira e obra musicais foram feitas em cima do cravo e do piano. Escrevi muitas partituras compondo obras para orquestras completas, de câmera, duetos, quartetos para violino, chello enfim,muita coisa, como talvez você tenha ouvido falar. Como está o ambiente musical atualmente?
- [A essa altura,já me considerava mais íntimo].
- Beethoven, disse-lhe , desde uns tempos para cá, mais ou menos 30 a 40 anos, estamos vivendo a era da música eletrônica;
- Eletrônica? Que negócio é esse ? Que é isso?
-Um tal de Benjamim Franklin descobriu a eletricidade e a partir daí alguns cientistas e pesquisadores começaram a inventar aplicações para ela. A música eletrônica tem os sons dos instrumentos produzidos pela eletricidade. Hoje há um aparelho chamado “teclado” que imita com perfeição praticamente todos os tipos de instrumentos musicais, e ainda por cima dá o acompanhamento e o ritmo que se deseja;
-Fantástico !!, onde posso dar uma olhada nesse tal de teclado?
-Ele pode ser visto e experimentado em qualquer loja de instrumentos musicais.É só entrar e se dirigir ao vendedor, mas eu não aconselho de imediato fazer isso não porque vai dar uma tremenda confusão, ou melhor, convulsão.
-Vamos pensar um pouco mais como fazer isso e por enquanto falarei mais alguma coisa.
-Não se assuste muito com o que vou falar,mas nos tempos em que vivemos, você pode ir tocando no teclado de um computador e ele grava a composição num arquivo e depois você pode imprimir a partitura .Ela já sai impressa direto de um aparelho chamado impressora.
-Esse negócio de computador dói muito? É dor forte? É assim que se compõe?
-Nada disso seu “Beethoven”, computador não quer dizer que a dor é fortíssima e sim que se trata de um equipamento eletro-eletrônico.
-Eletro o que? Quero conhecer esse tal de Benjamim Franklin, o que você diz que inventou a eletricidade.
-Ele já morreu há séculos. O melhor que posso fazer agora é lhe mostrar um computador. Entre aqui no meu escritório. Lá está naquele canto. Junto com ele está aquela janela de vidro que chamamos monitor e aquele outro aparelho meio quadradinho,que chamamos impressora. Com isso, Beethoven, você tem uma orquestra inteira.
-Sergio, posso tentar recompor a 9ª Sinfonia? . Na época em que a compus, já estava totalmente surdo.
-Seu “Beethoven”, o senhor não me leve a mal,mas poderia voltar para onde estava e retornar daqui uns tantos meses?
-Ué, por que?
- Preciso da ajuda de um profissional chamado psicólogo, apoiado por um outro que denominamos psiquiatra. Acho que só eles podem fazer-me entender o que está se passando.
Depois,eu prometo que vou levá-lo para ver um teclado e mais tarde ensiná-lo a mexer nesse computador. Agora, não dá não. Dá licença e passe bem...digo-lhe,abrindo a porta de casa..