Therezinha Mello
Desde criança, sempre admirei o Super-Homem. Pela TV em preto e branco, aqueles velhos episódios me faziam vibrar. Nos momentos de maior aflição, o repórter Clark Kent tirava os óculos decidido. Era o sinal infalível que todos aguardavam. Certo de que ninguém o observava, corria até a cabine telefônica mais próxima e dali saía em frações de segundo. Clark Kent? Não, o Super-Homem. Pequena corrida: o impulso inicial. Logo ganhava altitude. Durante o voo, rápidas olhadelas à cidade que ao longe se apequenava, à espera de socorro aos justos e castigo aos perversos. Depois do murro definitivo, da prisão dos bandidos, recompensa final: o olhar apaixonado e doce de Louis Lane.
Clark Kent era sua segunda vida. O antagonismo daquela manifestação de bravura e força. Diluído entre os normais, viabilizava-se como herói e cúmplice de si mesmo. Valorizava os poderes do Super-Homem, sendo o seu avesso. Desaparecendo nos momentos mais acirrados do conflito, surgindo invariavelmente depois de tudo terminado, o repórter era um sujeito comum e humano. Louis Lane denunciava a fraqueza de Clark na comparação cruel, mas era através dele que o herói podia perceber o momento exato de agir. O trivial convivia com o heroico. Clark, em sua simplicidade, mostrava-se pouco atraente para Louis Lane. Sem o glamour, reduzia-se ao medíocre. Como se ambos - glamour e mediocridade – não costumassem conviver nos indivíduos comuns, desses que não sabem voar. A dualidade, ironicamente, evidencia-se como um traço tipicamente humano.
Posso dizer que cresci acreditando nessa ideia. Que, no instante preciso, haveria de surgir, de mim mesma ou de qualquer outro lugar, um ser excepcionalmente forte, justo e bom, disposto a me tirar de apertos e perigos. E que, para admiração geral, ele seria ainda mais veloz do que a bala de um revólver. Imaginava que finais felizes eram apenas uma questão de determinação, inteligência e generosidade. E, mais que isso, aqueles episódios me faziam ingenuamente acreditar que podemos controlar o que nos acontece. Que os desacertos acabam por entrar nos eixos, ainda que não se tenha à mão a capa vermelha que nos permite voar.
Mais adiante, já muito longe do sofá da sala e sem saber por onde andava minha antiga TV, olhei o mundo e acabei também por achá-lo bem pequeno. Miúdo e mesquinho. Esmurrei heroicamente inimigos e desesperos. Levei amores a nocaute. E dores, empurrei-as em penhascos, sobrevoando-lhes, mais tarde, os destroços. Recolhendo-me, depois, anônima, à regularidade dos dias, guardei discreta e cautelosamente as façanhas do extraordinário e das paixões quixotescas. Misturada à multidão tornei-me antagonista de mim mesma, sem entender exatamente o rumo de meus voos e a razão dos espantos.
Confesso que muitas vezes olhando o céu, tenho o desejo infantil de enxergar meu herói. Como quem espera socorro aos justos e castigo aos perversos. E acabo me perguntando: “-O que é aquilo no céu? É um pássaro? É um avião?”. Não. Já é tarde. Sigo em silencio disfarçado. Mas, que diabo! Podia jurar que era o Super–Homem. Durante o voo, rápidas olhadelas à cidade. Desde criança, sempre o admirei. Aqueles velhos episódios me faziam vibrar.
sábado, 27 de fevereiro de 2010
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